Debates – Contra a capa https://blogs.dw.com/contraacapa Wed, 03 May 2017 16:25:57 +0000 pt-BR hourly 1 Fim de um blog, começo de uma coluna https://blogs.dw.com/contraacapa/fim-de-um-blog-comeco-de-uma-coluna/ Wed, 03 May 2017 16:25:57 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2391 Publiquei meu primeiro texto neste espaço no dia 1° de julho de 2014. Nele, discutia a passagem de outros escritores brasileiros pelo jornalismo ao longo da história, alguns gigantes como Machado de Assis e João do Rio. Hoje, este espaço chega ao fim para se transformar em coluna semanal a partir da próxima semana, às terças-feiras. Nestes três anos, discuti aqui uma gama variada de assuntos ligados à língua, entre o Brasil e a Alemanha. Falei sobre influências e traduções da literatura alemã entre autores brasileiros como Machado de Assis e Mário de Andrade, relatei a tradução de autores como Clarice Lispector na Alemanha, e resenhei vários livros lançados no Brasil, assim como certos eventos literários e artísticos em Berlim.

Nestes três anos, o contato com os moldes jornalísticos de escrita foi importante para mim como autor em outros campos. Se há maior clareza no meu pensamento por escrito hoje em dia, algo disso se deve a trabalhos como este. Foi também um período de reflexão sobre o papel do jornalismo cultural nos nossos tempos. Num momento em que todos os negócios, como acaba sendo um jornal, precisam pautar-se pela lei de oferta e procura, e portanto também pelos interesses e desejos dos consumidores (neste caso, os leitores de um jornal), como conciliar o papel de informação, questionamento e educação com estas questões? No campo do jornalismo cultural, como equilibrar a divulgação daquilo que é popular, em seu sentido na cultura de massas e que portanto traz leitores, com a defesa de expressões literárias e culturais à margem do mercado? Não sei se obtive a resposta ainda. Mas esta foi uma ótima experiência que me levou a debates excelentes com várias pessoas. Agradeço a todos que visitaram esta página ao longo dos três anos de sua existência. Espero que alguns leitores tenham encontrado informações novas por aqui, tanto sobre o que já conheciam parcialmente como sobre trabalhos que desconheciam.

A partir da próxima semana, vou discutir na coluna semanal, de forma específica, a produção literária alemã, com algumas incursões à relação literária entre Alemanha e Brasil. O foco portanto será sobre o que está acontecendo no espaço linguístico alemão, Alemanha em especial, mas com olhos para a Áustria, a Suíça e as outras pequenas comunidades de língua alemã em países como Bélgica e Luxemburgo. Falarei sobre livros recentes e antigos, a importância deles, e farei algumas recomendações de leitura. Por vezes, haverá conversas com escritores alemães e relatos sobre os eventos literários ao redor do país. Os lançamentos, os mais vendidos, o que se está lendo na Alemanha atualmente. Ficarei também de olho nas editoras brasileiras que traduzem do alemão, conversando sobre livros alemães lançados no Brasil. Espero que a coluna encontre seus leitores entre os que estão interessados na língua alemã, não apenas a falada nas ruas de Berlim e Munique, mas entre as páginas de Heinrich Heine e Bertolt Brecht, Christa Wolf e Sibylle Berg.

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A fala e a escrita dos animais https://blogs.dw.com/contraacapa/a-fala-e-a-escrita-dos-animais/ Tue, 18 Apr 2017 13:23:04 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2375

Capivara exposta em museu de Amsterdã

Há uma proposição do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein que sempre me fascinou: “Wenn ein Löwe sprechen könnte, wir könnten ihn nicht verstehen” (Se um leão pudesse falar, nós não o compreenderíamos). Ao mesmo tempo, as implicações sempre me pareceram tristes: estamos presos a nossa esfera de experiência e compreensão. A isso une-se a ideia de que mesmo cada língua humana determinaria a maneira como pensamos e sentimos o mundo. Trata-se de um desafio a todo trabalho de tradução, portanto, mesmo entre humanos de línguas distintas. Para os nossos ouvidos, os sons feitos por animais também parecem todos iguais e uniformes, mas alguns pesquisadores afirmam que certos mamíferos, como as baleias, também têm dialetos distintos em cada grupo.

Há uma história a respeito disso que é bastante iluminadora sobre nós mesmos. As pesquisas mais sérias sobre a linguagem de outros mamíferos, especialmente baleias e golfinhos, só recebeu financiamento consistente quando se formulou o seguinte problema: em nossas explorações espaciais, se tivermos contato com alienígenas, como poderemos nos comunicar com eles se não conseguimos sequer nos comunicar com outras espécies do nosso próprio planeta?

Estou no momento em uma residência na Holanda, vivendo por dois meses entre um apartamento em Amsterdã e uma fazenda próxima da pequena vila de Starnmeer. Meu projeto é escrever um texto que lide com a presença colonial holandesa no território brasileiro. Mas o desafio que me impus nos traz à problemática que delineei acima, pois minha ideia é escrever esse texto a partir do ponto de vista de uma… capivara.

Antes que pensem que enlouqueci, me explico: como escrevi em uma crônica neste mesmo espaço [Aos holandeses que se esqueceram de suas invasões], visitei no ano passado uma exposição de alguns desenhos recém-descobertos de Frans Post (1612–1680) no Rijksmuseum. Eles foram feitos no Brasil durante sua passagem pela colônia com uma comitiva de artistas convidados por Maurício de Nassau (1604–1679), o “brasileiro”. Na exposição era possível também ver vários animais da fauna brasileira empalhados, e fui tomado por uma espécie de solidariedade muito estranha por uma capivara que ali estava: uma capivara do século 17 em plena Amsterdã do século 21.

Maria Esther Maciel lançou “Pensar / escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica” em 2011

Foi aí que a ideia começou a nascer. Para isso, venho pesquisando autores do que vem sendo chamado de “zoopoética”, a escrita sobre e, principalmente, através de outras espécies. No Brasil, hoje, uma grande pesquisadora do assunto é Maria Esther Maciel, que lançou nos últimos anos os volumes Pensar / escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica (2011) e Literatura e animalidade (2016). Um dos exemplos dentro da literatura brasileira a que Maria Esther Maciel recorre com frequência é o poema Um boi vê os homens, do livro Claro Enigma (1951) de Carlos Drummond de Andrade: “Tão delicados (mais que um arbusto) e correm / e correm de um para o outro lado, sempre / esquecidos de alguma coisa”, diz o boi a nosso respeito.

Mesmo antes de pensarmos nessa prática como uma experimentação específica, já a conhecíamos de textos de Clarice Lispector, com suas galinhas e baratas, e de João Guimarães Rosa com suas vacas e onças. Uma galinha, conto do livro Laços de família (1960), de Clarice Lispector, está entre os primeiros textos literários que li em minha vida de adolescente. De João Guimarães Rosa, cita-se com frequência o longo conto “Meu tio o iaueretê”, do livro Estas estórias (1969). Mas o que me marcou primeiramente foi o lindíssimo Sequência, das Primeiras estórias (1962), no qual seguimos a consciência de um jovem vaqueiro em caça a uma vaca fujona, ao mesmo tempo em que seguimos a consciência da própria vaca.

Maria Esther Maciel discute ainda outros trabalhos de autores brasileiros como Graciliano Ramos, João Alphonsus e Wilson Bueno, e estrangeiros como Jack London, Patricia Highsmith, Jacques Roubaud, Virginia Woolf, Luigi Pirandello, Lydia Davis e J.M. Coetzee, entre outros. Para isso, recorre a vários pensadores, como Jacques Derrida, Eduardo Viveiros de Castro e Donna Haraway. É um campo fértil, que traz implicações políticas, filosóficas e literárias. Como conviver com outras espécies? Quais são os seus direitos? Seus direitos são essencialmente diferentes dos nossos?

Assim como o racismo leva humanos a acreditarem que são superiores a outros, nos últimos tempos formulou-se o conceito de “especismo”, ou seja, o ponto de vista de que uma espécie, especialmente a humana, é superior às outras e possui direitos específicos, como o de explorar, escravizar e matar as demais espécies. A diferença entre espécies levaria à atribuição de direitos diferentes entre organismos?

Mais uma vez volto à proposição de Wittgenstein: se um leão pudesse falar, nós mesmo assim não o compreenderíamos. Sua existência leônica está essencialmente vedada a nossa compreensão humana. Se os adoradores de um mesmo deus não conseguem se compreender por pertencerem a seitas distintas, estaremos nós para sempre presos a um vocabulário e a uma sintaxe intransferíveis? Espero que a tentativa de encarnar uma capivara me leve a algumas respostas possíveis.

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A escrita do amor fora das normas do patriarcado brasileiro (terceira parte) https://blogs.dw.com/contraacapa/a-escrita-do-amor-fora-das-normas-do-patriarcado-brasileiro-terceira-parte/ Tue, 04 Apr 2017 12:18:12 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2353

Em “Stella Manhattan” (1985), Silviano Santiago criou algumas das personagens mais não convencionais da literatura brasileira contemporânea

Em agosto de 2016, escrevi um artigo intitulado A escrita do amor fora das normas do patriarcado brasileiro dividido em primeira e segunda parte. Nele, discutia a literatura no Brasil por seu viés homoerótico, a partir dos nomes mais importantes no país de uma escrita que poderia ser compreendida como queer. Mencionava autores como Lúcio Cardoso, Roberto Piva e Ana Cristina Cesar, que já nos deixaram. Naquele momento, parecia-me importante ler autores já (quase) canônicos por esta perspectiva. Minha ideia era encerrar o artigo com uma terceira parte, na qual tentaria chamar a atenção dos leitores para alguns nomes mais recentes, de autores vivos. Não prossegui com a série porque queria pesquisar mais, e também porque a discussão de autores vivos sempre complica a conversa em vários aspectos.

Alguns acontecimentos da última semana me motivaram a tentar voltar àquele artigo. Em primeiro lugar, a morte de João Gilberto Noll no dia 29 de março [2017|. Ao escrever sobre ele, retornei ao assunto pela percepção da sexualidade que perpassa tantos de seus textos, o que me levou novamente a mergulhar em alguns ensaios que tratam dessa questão. Em seguida, li um artigo de Vanessa Thorpe no ‘Guardian’ [Tate Britain celebrates 50 years of gay freedom, The Guardian, 01.04.2017] sobre a abertura da exposição na Tate dedicada à arte queer do país, marcando as comemorações do cinquentenário da descriminalização da homossexualidade no Reino Unido. E por fim um amigo me enviou um documentário de Rita Moreira,  Temporada de caça (1988), que trata da violência contra homossexuais que grassava por São Paulo e Rio de Janeiro naquela década.

O filme inclui um depoimento de José Celso Martinez Corrêa, que discute o assassinato brutal de seu irmão, Luís Antônio Martinez Corrêa (1950–1987), assim como de Jorge Mautner, Néstor Perlongher e Roberto Piva. O vídeo também traz entrevistas de rua com vários cidadãos brasileiros não só defendendo como fazendo apologia ao assassinato de homossexuais. Trata-se de um documentário extremamente perturbador.

Durante o ápice da epidemia de aids nos anos 1980 e 1990, ativistas americanos usavam como lema a ideia de que SILÊNCIO = MORTE. Quebra-se o silêncio com a palavra, matéria-prima do escritor. Muitos discordam de que seja papel da literatura tratar desses horrores sócio-culturais. Mas a violência começa pela linguagem. Pelas ofensas verbais que homossexuais (assim como negros e mulheres) sofrem todos os dias nas ruas do país. É na facilidade dessas ofensas pela linguagem que nasce a impunidade dos crimes capitais.

E é aqui, sabendo que silêncio significa morte, que eu gostaria de fazer uma homenagem a um escritor que não discuti nos outros artigos: Caio Fernando Abreu (1948–1996). Ainda que menos estético do que ético, seu trabalho teve um impacto enorme sobre minha vida na adolescência, especialmente com suas Cartas para além dos muros, mas também em contos como Os dragões não conhecem o paraíso. Por sua coragem para quebrar o silêncio. Nos últimos meses, a pesquisa sobre essa escrita me deu alguns presentes, como a descoberta do universo de Samuel Rawet, autor tão injustamente esquecido.

Mas esta última parte de A escrita do amor fora das normas do patriarcado brasileiro deve ser uma pequena lista de recomendações dentre os vivos. De vivos para vivos. E, entre os vivos, a figura de Silviano Santiago continua sendo uma de nossas maiores referências. Sua última publicação como crítico é o ensaio Genealogia da ferocidade (Recife: CEPE / Suplemento Pernambuco, 2017), no qual discute a complexa obra-prima que é Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Como romancista, lançou recentemente Machado (2016) e Mil rosas roubadas (2014), ambos pela Companhia das Letras. Este último é sua contribuição mais recente a uma escrita da homoafetividade no Brasil, mas seu trabalho mais importante e pioneiro neste aspecto continua sendo o romance Stella Manhattan (1985), já traduzido para o inglês, o espanhol e o francês. Nele, Silviano Santiago criou algumas das personagens mais não convencionais da literatura brasileira contemporânea, como Stella Manhattan, a Viúva Negra e La Cucaracha, no clima de repressão sexual-política da ditadura militar.

Sem se ater à biografia dos autores mas partindo da busca por uma homotextualidade, Cristina Ferreira Pinto-Bailey discute em seu ensaio O desejo lesbiano no conto de escritoras brasileiras contemporâneas os trabalhos de cinco mulheres: Fátima e Jamila (1976), de Sônia Coutinho; Intimidade (1977), de Edla van Steen; A mulher de ouro (1984), de Myriam Campello; A Escolha (1985), de Lygia Fagundes Telles; e Tigresa (1986), de Márcia Denser.

“Se a expressão da experiência erótica feminina chega a ser tão problemática, a representação da sexualidade lesbiana o é ainda mais, pois rompe com as relações dominantes de gênero, ao excluir a figura do homem e colocar a mulher em uma posição de sujeito atuante, em vez do papel tradicional de objeto do desejo masculino”, escreve.

“Assim, o desejo lesbiano na obra de escritoras brasileiras não só representa uma dimensão importante da sexualidade feminina, como também serve para expor e questionar o controle social sobre a sexualidade e o corpo femininos.”

Dessa lista, chamo a atenção para o trabalho de Márcia Denser, uma de nossas melhores prosadoras vivas. A reedição de Teatro fantasma (1977) e Diana Caçadora (1985) em um só volume pela Ateliê Editorial deveria finalmente fazer o trabalho da autora chegar às mãos dos leitores das novas gerações. No mês passado, o Suplemento Pernambuco publicou também um conto inédito de Myriam Campello, que integra o livro Palavras são para comer, lançado há duas semanas pela editora Oito e meio. Ela é a autora ainda dos romances Sortilegiu (1981) e São Sebastião Blues (1993), entre outros.

Outros trabalhos que poderíamos discutir aqui são os de Assionara Souza, Angélica Freitas, Tatiana Pequeno e Bianca Lafroy, assim como os de Renato Negrão, Rafael Mantovani e Ismar Tirelli Neto. Descubra-os. Seus trabalhos devem ser lidos e julgados em primeiro lugar por sua qualidade literária. Concordamos. Mas são também autores que, ao quebrar o silêncio, ajudam-nos a escapar um pouco da morte. Pois são quase 30 anos desde o documentário assustador de Rita Moreira, e o que mudou nestas três décadas?

A violência contra homossexuais no Brasil continua assustadora. Talvez precisemos também de um exposição como a da Tate, trazendo trabalhos de artistas como Hélio Oiticica, Alair Gomes e José Leonilson, unindo-os ao trabalho literário de homens como Roberto Piva e mulheres como Ana Cristina Cesar. Não vamos esperar mais 20 ou 30 anos para mudanças verdadeiras na situação.

É portanto em tom irônico que encerro este artigo com um dos meus poemas favoritos de Horácio Costa, talvez o mais importante poeta queer surgido no Brasil após Roberto Piva:

Vinte Anos Depois é um romance de Alexandre Dumas

duas décadas não são nada

é a média de vida do homem primitivo do escravo romano

é a idade de um cão muito muito velho

é a média de glória de um artista maior

o tempo sem celulite de uma cortesã

o lapso de procriação depois do casamento

quatro ou cinco mandatos políticos o auge de um Império

vinte anos levou a Constantino reformar Bizâncio

vinte anos fizeram a fortuna de Frick Morgan e Du Pont

vinte anos entre a apresentação no Templo e a crucificação

vinte anos é a matéria dos memorialistas

vinte anos e o povo se cansa da Revolução

vinte anos depois Odette está casada e Marcel morto

a roda o computador pessoal a moda das perucas brancas se

popularizam em não mais de vinte anos

Quéfren e Miquerinos construíram suas pirâmides

em vinte curtos anos

vinte anos depois o cadáver está frio olvidadíssimo

vinte anos de exercício e o êxtase desce ao asceta

nada nada são duas décadas vinte vezes nada

a ponte nova entre aqui e ali está congestionada hoje

a então chamada ponte do futuro já não serve mais

agora quando estás nela também estás aqui

tinhas o cabelo solto tinhas a rédea solta

soltas tinhas as palavras

há vinte anos

entre aqui e ali

(Horácio Costa, Quadragésimo, 1999)

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Os autores esquecidos do arquipélago Brasil https://blogs.dw.com/contraacapa/os-autores-esquecidos-do-arquipelago-brasil/ Wed, 01 Mar 2017 11:26:59 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2297

Capa de “Poesia Completa”, de Gilka Machado

Há poucos dias, conversava com um amigo americano sobre o fato de que se traduz pouco nos Estados Unidos. Ambos lamentávamos que não houvesse mais interesse por literatura estrangeira no norte, ainda que algumas editoras independentes como a Action Books e a Burning Deck Press, entre outras, se esforcem bastante neste sentido, assim como a excelente revista Asymptote Journal. No entanto, eu disse a ele que essa insularidade dos EUA tinha ao menos um efeito positivo para eles. Pois, como há a demanda constante de escritores e quer-se que estes escritores sejam americanos, há uma pesquisa maior entre eles sobre os autores que possam ter sido ignorados enquanto vivos, ou que ainda produzam em obscuridade.

Editoras comerciais e universitárias publicam com uma frequência maior as obras de autores do passado, completamente desconhecidos ou esquecidos. O cânone americano parece ter um caráter de processo interminável muito mais do que entre nós, onde a inflação bibliográfica – sempre sobre os mesmos autores – torna a lista de escritores estudados uma procissão de santos imutável. Já foi discutido como isso está claro na própria palavra “cânone”: santo não cai do altar.

Há esforços importantes no Brasil que precisam receber maior atenção. Para mencionar dois recentes, a editora da Universidade Federal do Pará começou a relançar a obra completa do poeta paraense Max Martins, e o Selo Demônio Negro, capitaneado por Vanderley Mendonça, acaba de lançar a poesia completa da carioca Gilka Machado. Outros acontecimentos importantíssimos são a reedição dos romances do mineiro Campos de Carvalho (Editora Autêntica) e a reedição das peças do dramaturgo paulista Plínio Marcos (Funarte). Fico feliz que esss iniciativas tenham encontrado eco na grande imprensa, com artigos em jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Um dos problemas dos grandes jornais paulistanos e cariocas é comportarem-se como imprensa local em questões de cultura, ainda que tirem todas as vantagens possíveis de seu alcance nacional quando isso é conveniente.

Precisamos conhecer o que teve valor histórico, mas isso jamais deve se sobrepor ao valor artístico e político que as obras podem ter para nosso tempo, mesmo que os seus contemporâneos as tenham ignorado. Há os casos de autores que receberam atenção quando vivos, mas caíram em obscuridade após sua morte, como a poeta mineira Henriqueta Lisboa e o romancista carioca Marques Rebelo. Há os autores que têm ainda suas obras defendidas por leitores apaixonados e por escritores que os elencam entre suas influências maiores, autores cultuados por um pequeno grupo, mas que precisam encontrar reedições de alcance nacional, como o prosador catarinense Manoel Carlos Karam e o poeta mineiro Adão Ventura.

Muitas vezes, a obra de um escritor permanece num limbo de silêncio e poeira de sebos ou escondidos nas bibliotecas particulares de outros escritores, até que suas obras explodem ou reexplodem quando recebem a devida atenção. Basta pensar na obra do poeta mais popular do Brasil nas três últimas décadas, a de Manoel de Barros, que pôde alcançar a leitura apaixonada dos brasileiros quando começou a circular pela editora Record. O primeiro livro do autor, Poemas concebidos sem pecado, é de 1937. O poeta era três anos mais novo que Vinícius de Moraes e quatro anos mais velho que João Cabral de Melo Neto. Sua linguagem de louvor do terreno já vinha sendo formada desde a década de 1960, com a publicação de Compêndio para uso dos pássaros (1960) e Gramática expositiva do chão (1966), mas permaneceu escondida até a década de 1990. E o que dizer dos casos excepcionais de Hilda Hilst e Roberto Piva, cultuados por poucos por tanto tempo, e hoje figuras incontornáveis da literatura brasileira do pós-guerra?

Muitas vezes basta o esforço profissional de uma pequena editora competente. Um dos acontecimentos literários do ano passado, em minha opinião, foi a atenção dada a Leonardo Fróes, que muitos consideram um dos maiores poetas vivos do Brasil, quando a editora Azougue lançou uma antologia de seus poemas, Trilha, e o poeta passou com sucesso pela FLIP. Dono de uma obra extensa, consolidada, como autor e tradutor, está mais do que na hora de que seu trabalho alcance um grande número de leitores. Mas quanto é necessário que um autor escreva para isso?

Nós temos um fetiche compreensível pelos autores de obras vastas, aquelas que cabem mais tarde em tijolos de papel-bíblia pela editora Nova Aguilar. O que fazer dos autores que desaparecem, deixando-nos apenas algumas poucas jóias? Raduan Nassar, autor de um romance, uma novela e alguns contos, não ganhou no ano passado o maior reconhecimento a um escritor da língua, o Prêmio Camões? Uma das leituras inesquecíveis que fiz nos últimos anos foi Uns contos, de Ettore Bottini, seu único livro, com apenas 120 páginas. O livro é todo ele uma pequena joia.

Aos que mantêm os olhos e ouvidos abertos, vêm as descobertas. Ontem, o poeta e professor Marcus Fabiano Gonçalves comentou sobre o trabalho de Waldemar das Chagas, autor do livro Malungo (1954). Após ler os poucos poemas encontrados, ficou apenas o desejo de ver também este autor circulando em escala nacional. Outros autores que recomendo descobrir e espero que encontrem edições, reedições e leituras críticas são Paulo Colina, Stela do Patrocínio, Maria Ângela Alvim, Rosário Fusco, Marly de Oliveira, Arnaldo Xavier, Orlando Parolini, entre tantos outros. Vamos trabalhar, editores.

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A irresponsabilidade com a língua: sobre a campanha desastrosa do Ministério dos Transportes https://blogs.dw.com/contraacapa/a-irresponsabilidade-com-a-lingua-sobre-a-campanha-desastrosa-do-ministerio-dos-transportes/ https://blogs.dw.com/contraacapa/a-irresponsabilidade-com-a-lingua-sobre-a-campanha-desastrosa-do-ministerio-dos-transportes/#comments Wed, 04 Jan 2017 13:06:11 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2231 passagem da campanhaHá alguns dias deparei-me nas redes sociais com o primeiro cartaz da nova campanha do Ministério dos Transportes, que busca ensinar o público a evitar comportamentos de risco ao volante – como falar ao telefone. Este primeiro cartaz mostrava uma mulher jovem, com um cão ao colo, e em letras garrafais: “Quem resgata animais na rua pode matar”, seguido, em letras pequenas, do objetivo da campanha “Não use o celular ao volante” e encerrando com esta pérola: “Gente boa também mata”. A campanha parecia uma daquelas ideias estapafúrdias de publicitários que em algum momento são descartadas ainda no processo de sugestões por alguém com um mínimo de responsabilidade, mas a campanha havia seguido e ali estava. Paga, impressa, distribuída pelas ruas das cidades brasileiras. Um desperdício de dinheiro público, se pensarmos como tudo ali é incompetente: o uso da diagramação, o salto interpretativo que exige para uma campanha de rua. Uma coisa talvez com pé, mas completamente sem cabeça. Mas então passamos da incompetência da campanha à sua irresponsabilidade. Às implicações da verdadeira estupidez política da campanha. Dias atrás, uma chacina em Campinas custara a vida de 12 pessoas, com os grandes jornais reproduzindo a mensagem misógina e violenta do assassino. A campanha certamente fora pensada antes disso, mas qualquer cidadão de olhos abertos deveria saber que aquela chacina não é algo infrequente no país. E ali estava a foto de uma mulher, numa campanha com tamanha inconsequência num país com números vergonhosos de violência de gênero.

Hoje vi um segundo cartaz com a foto de um jovem negro, e novamente em letras garrafais: “O melhor aluno da sala pode matar”, para então, em letras pequenas, recomendar que se respeite o limite de velocidade. Aqui, somos obrigados a pausar e tentar imaginar que pessoas realmente sentaram-se ao redor de uma mesa em uma agência de publicidade do país e tiveram estas ideias, e que a ninguém presente tal raciocínio pareceu de estupidez e irresponsabilidade políticas gritantes. Que estas ideias mais tarde foram expostas mais uma vez em Brasília, no Ministério dos Transportes, e que de novo ao redor de uma mesa, numa conversa regada a cafezinho (também pago com dinheiro público) em nenhum cérebro soou o alarme. Num país em que jovens negros são mortos com uma frequência horrorizante, num país que ainda tenta maquiar seu racismo institucional, em uma República racista que vê sempre jovens negros como perigosos, as pessoas (ir)responsáveis pela agência Nova/SB e pela publicidade no Ministério dos Transportes foram capazes de brindar a população brasileira estas demonstrações – repito – de estupidez e irresponsabilidade políticas.

Só uma coisa se compara à estupidez política da Agência Nova/SB: seu cinismo em ainda tentar angariar mais publicidade para si, retuitando críticas ferrenhas à campanha e usando memes engraçadinhos como respostas a elas. Em seu “Código de ética” publicado em sua página, a agência afirma que “Nenhum empregado ou potencial empregado receberá tratamento discriminatório ou qualquer forma de assédio, intimidação ou qualquer conduta inapropriada em consequência de sua personalidade, raça, cor de pele, origem étnica, nacionalidade, posição social, idade, religião, identidade de gênero, orientação sexual, estética pessoal, condição física, mental ou psíquica, estado civil, opinião, convicção política, ou qualquer outro fator de diferenciação individual.” Pois bem. É louvável que a agência tenha esta preocupação em seu código de ética, mas ela infelizmente demonstrou insensibilidade explícita aos aspectos discriminatórios desta campanha. Todos nós cometemos erros, e posso imaginar as dificuldades financeiras que aceitar e consertar erro de tamanha dimensão podem implicar. Mas esta campanha precisa ser retirada das ruas das cidades brasileiras. É inaceitável que mulheres, cidadãs, e também os cidadãos negros que pagaram por esta campanha tenham que ser sujeitados a tal irresponsabilidade política. A língua não é bem privado, é um bem de toda uma comunidade. Aí reside a exigência de sensibilidade e responsabilidade políticas em seu uso: pelo Governo, por agências publicitárias, por escritores e poetas, por qualquer um andando pelas ruas da República Federativa do Brasil.

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Começo e continuação do ano https://blogs.dw.com/contraacapa/comeco-e-continuacao-do-ano/ Tue, 03 Jan 2017 17:33:32 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2227 Há alguns anos, num “reveião” passado, um amigo me disse: “Ora, é apenas outro dia.” Eu me lembro de dizer a ele que não subestimasse comportamentos ritualísticos. A passagem de ano nos dá a todos a sensação de recomeço, de novas chances. Faz-se a resolução de mudança na própria vida e tenta-se chegar à mudança com um tiquinho mais de afinco. Mesmo que apenas sensação de recomeço, é provável que ela seja mais essencial do que imaginamos para sobrevivermos aos golpes de sempre. Não subestimo a coisa, ainda que este ano tenha sido particularmente difícil entrar no clima de renovação. Ontem, quando me perguntaram como ia meu ano novo, respondi que não tinha ainda a sensação de ano novo. Parecia apenas um ano longo. Todo pela frente.

O ano passado foi particularmente difícil. Mas a verdade é que muito do que aconteceu no ano passado será sentido de verdade apenas neste. Segurem-se nas cadeiras. Não preciso mencionar os acontecimentos políticos de 2016 aos quais me refiro, no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, que parecem dividir-nos a todos em dois grupos distintos. É possível que esta polarização apenas cresça este ano. Em seu poema “Lamento do historiador”, o alemão Heiner Müller descreve como o historiador romano Tácito reclama dos tempos de paz em um de seus livros, que não lhe davam material para escrever grandes sagas imperiais, e desculpava-se junto a seus leitores. O alemão encerra seu poema: “Eu, por minha vez, dois mil anos depois dele, / Não preciso desculpar-me e não posso / Queixar-me da falta de bom material.”

Enquanto celebrávamos dos dois lados do Atlântico, um ataque terrorista acontecia em Istambul, e uma chacina horrenda ocorria em Campinas. Há qualquer ligação entre as duas? Como poderia? Istambul, Campinas. Talvez nossas violências sexuais, religiosas e raciais tenham matriz comum? Este é um ano de aniversários auspiciosos. Centenário da Revolução Russa. Neste clima de polarização, tenho medo de como isso será discutido. A julgar pelas reações em torno da morte de Fidel Castro, temo que muito será dito por pura pirraça intelectual, cada lado querendo ofender o outro um pouco mais. É o ano ainda de do aniversário de 10 anos da morte de uma poeta ainda desconhecida do público, que comanda porém minha imaginação com o pouco mais de uma dezena de poemas que conhecemos: Hilda Machado (1952-2007). Espero conseguir editar seu trabalho este ano. São dela estes versos que vêm a calhar num começo de janeiro:

“feliz ano novo
bem-vindo outro
como é que abre esse champanhe
como se ri”

Infelizmente, o ano mal começou e já nos brindou também com a morte de um intelectual admirável: o romancista, poeta e crítico de arte John Berger (1926-2017). Seu famoso programa “Ways of Seeing” para a BBC é mais do que recomendável a quem não o conhece, e pode ser visto na íntegra na Rede. Aos 90 anos, porém, ele já tinha nos dado provavelmente mais do que merecíamos. Vínhamos pedindo que 2016 acabasse logo como se fosse alta temporada de morte. Mas quando acaba a temporada de morte e de nascimento? É que os nascimentos só são descobertos muito mais tarde. A morte não precisa de ajuda publicitária. Por isso, encerro com este pequeno poema de John Berger que traduzi hoje de manhã, mas o dedico aos poetas que estão nascendo nestes dias ao redor do mundo.

“Outubro”

Talvez Deus seja como os contadores de histórias

que amam os frágeis mais

do que os fortes

os vitoriosos menos

do que os abatidos.

De qualquer forma

num outubro fraco e tardio

a floresta queima

com a luz do sol

do verão inteiro que se foi.

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Oswald de Andrade traduzido: o antropófago que morde em alemão https://blogs.dw.com/contraacapa/oswald-de-andrade-traduzido-o-antropofago-que-morde-em-alemao/ Tue, 20 Dec 2016 21:34:09 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2209 “A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico”, dizia Oswald de Andrade nos últimos anos de sua vida, naquele conturbado início da década de 1950. Getúlio Vargas equilibrava-se na eterna corda bamba da política nacional, sobre um abismo do qual o separava a linha tesa de sua eleição em 1951. Já sabemos que ele não chegaria ao outro lado. Era sua chegada democrática ao poder após o primeiro governo de 15 anos que lançara na cadeia um homem como Graciliano Ramos e uma mulher como Patrícia Galvão, justamente no momento em que esteve casada com Oswald de Andrade. Esta primeira prisão de Pagu aconteceria no ano em que Oswald publica sua segunda obra de modernização da prosa nacional, Serafim Ponte Grande, em 1931.  Mas naquele pós-guerra, eram outros os tempos. O Movimento Modernista havia triunfado e o país embarcava, no entanto, na reação conservadora do Grupo de 45. A posição de Oswald de Andrade naquele momento talvez fosse análoga à do Tom Zé esquecido das décadas de 80 e 90, quando o Tropicalismo que justamente reabilitaria a obra de Oswald parecia ter também triunfado, e a massa passara a comer o biscoito fino que ele fabricou. Ou, ao menos, na receita que homens como Haroldo de Campos, Caetano Veloso e José Celso Martinez Corrêa haviam preparado. Mas isso é assunto para outra hora. Meu pensamento está aqui em 1954. Getúlio Vargas já se matou há dois meses no Rio de Janeiro. Seu corpo foi já enterrado no jazigo da família em São Borja. É o famoso agosto do livro de Rubem Fonseca. Em outubro, o antropófago Oswald de Andrade morre esquecido em São Paulo.

Mas há outra proposta e desafio do autor do Manifesto da Poesia Pau-brasil e do Manifesto Antropófago que nos interessam aqui, esta: “A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas das saudades universitárias” – pois foi lançado há pouco na Alemanha e na Áustria pela editora Turia + Kant a tradução para estes dois influentes manifestos num único volume, Oswald de Andrade: Manifeste, que traz ainda dois estudos clássicos de Benedito Nunes e Haroldo de Campos, assim como um minucioso novo ensaio do próprio tradutor, Oliver Precht. O volume sai na coleção “Neue Subjektile”, que publicou textos de Philippe Lacoue-Labarthe, Paul Virilio e Jean-Luc Nancy, e promete para breve o lançamento também de Crise da Filosofia Messiânica, de Oswald pelo mesmo tradutor. Companhia de biscoitos finos internacionais para o brasileiro, aqui finalmente em exportação entre as raras traduções de seu trabalho.

São consideráveis os desafios de uma tradução como esta. Como verter as proposições poéticas de Oswald de Andrade, tão fincadas no contexto brasileiro, para leitores de língua alemã, de um contexto histórico e poético tão diferente do nosso? Oliver Precht chegou a excelentes soluções e também preparou notas consistentes para elucidar ao leitor estrangeiro as passagens imediatamente claras a nós, mas obscuras a quem nasceu longe do nosso inferno paradisíaco particular. São importantes ainda os ensaios de Benedito Nunes e Haroldo de Campos nesse sentido, pontuando a importância de Oswald tanto nacional quanto internacionalmente no campo das vanguardas históricas. Completa esse serviço o longo ensaio de Oliver Precht, Aprender a dar-se de comida aos outros, no qual discute as ideias do brasileiro em relação a autores como Montaigne e Lévi-Strauss. Também tradutor para o alemão do volume de ensaios de Eduardo Viveiros de Castro, A inconstância da alma selvagem (lançado pela Turia + Kant como Die Unbeständigkeit der wilden Seele), Oliver Precht está preparado para esta discussão, e demonstra nessas traduções um interesse pelas culturas dos Brasis que o coloca numa posição bastante particular na lista de excelentes tradutores trabalhando hoje com autores brasileiros.

Pessoalmente, como um brasileiro que vive na Alemanha, foi muito forte retornar a Oswald de Andrade por meio de Oliver Precht neste ano. Gerou em mim perguntas ligadas ao Brasil e outras à Alemanha. O ano de 2016 causou estragos de ciclone. Em toda minha vida não presenciei como cidadão outro ano como este. Comparações entre 2016 e 1964 foram frequentes. A publicação do livro de José Luiz Passos, O marechal de costas (baseado na vida de Floriano Peixoto), levou a uma conversa sobre paralelos entre nossos tempos de Michel Temer e os daquele outro vice. Venho pensando em outro paralelo, que tem aparecido menos na conversa, mas o faço aqui sem analogias simplistas, tentando apenas entender onde começam nossas agruras que não acabam: entre 2016 e aquele 1954 do início deste texto, quando morrem duas figuras incontornáveis da modernização do país: Getúlio Vargas e Oswald de Andrade. Como se tecem esses nódulos todos das nossas modernizações de mutirão e elite a cada solavanco desta República que sempre parece capenga?

Quanto às perguntas ligadas à Alemanha, o que pode a Antropofagia do brasileiro fazer em um ambiente de xenofobia e fechamento das fronteiras como vemos hoje irradiando de Berlim, de Leipizig, de Dresden? Como podem ser compreendidas as perguntas de Oswald em relação à cultura autóctone e colonial de uma terra, num ambiente como o alemão, onde “terra” e “povo” são parte do vocabulário de uma direita que teme e odeia o outro, estando bem longe de o respeitar a ponto de querer assimilar ritualmente suas forças? São perguntas para as quais ainda não tenho resposta.

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Nós, lusófonos mimados https://blogs.dw.com/contraacapa/nos-lusofonos-mimados/ https://blogs.dw.com/contraacapa/nos-lusofonos-mimados/#comments Fri, 02 Dec 2016 20:55:15 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2197 “Vocês já imaginaram a desgraça que é escrever em português? Sometimes, I wonder. Quem é que sabe português nesse planeta, fora Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Macau?” – é de Paulo Leminski essa citação, de seu texto Arte in-útil, arte livre?, no qual também escreveu que “a gente já nasce numa língua periférica, escrever uma coisa em português e ficar calado mundialmente é mais ou menos a mesma coisa”.

Muitos escritores brasileiros recorrem a essa citação de Leminski. Eu mesmo já o fiz. Ao participar de qualquer leitura ao lado de escritores de língua inglesa, francesa ou alemã, vem à mente esta fala do poeta de Curitiba. No mesmo texto, ele reconhece que a marginalidade da língua portuguesa no mundo não é a mesma de línguas como o basco ou o catalão, e que esta periferia está ligada a condições históricas e econômicas. Uma língua tem a força do império que a fala. A primazia da língua inglesa no mundo literário advém da força imperial e imperialista do Reino Unido, primeiro, e dos Estados Unidos a partir da Segunda Guerra. Mas vocês já pararam para pensar nesta marginalidade das línguas basca e catalã, por exemplo, e da posição do português?

Recentemente, estive na Eslovênia para uma leitura, e foi interessante ler ao lado de Stanka Hrastelj, uma poeta eslovena, em seu país de 2 milhões de habitantes. É o número de habitantes de uma cidade de médio porte no Brasil. E a língua eslovena é falada apenas ali, na Eslovênia. Isso é solidão.

Estima-se que 250 milhões de pessoas falem português como língua materna no mundo. São cerca de 280 milhões com os que a falam como segunda língua. O português é a língua mais falada no hemisfério sul da Terra. É a quinta língua mais falada no mundo como um todo e a terceira mais falada no hemisfério ocidental. Como o próprio Leminski lembrou-se, somos também vários países de expressão lusófona. E, no entanto, mal nos lemos uns aos outros. Um poeta como Manuel António Pina, português, ganhador do Prêmio Camões em 2011, mal foi editado no Brasil. Quem conhece a moçambicana Noémia de Sousa?

O prestígio da língua inglesa é perpetuado por nós mesmos. Na semana passada, deparei-me com uma lista dos lançamentos de livros traduzidos previstos para 2017. Era praticamente um festival de autores europeus e americanos. Havia alguns poucos autores do Extremo Oriente, mas não pude identificar muitos autores de fora do âmbito cultural do Noroeste. Era um exemplo singular de eurocentrismo galopante. Basta que o New York Times noticie o espirro de um escritor em Nova York para que o espirro seja traduzido no Brasil, com tanta gente espirrando igualzinho entre o Oiapoque e o Chuí, ou na Baixa em Lisboa, ou no bairro de Ingombota em Luanda. Nós próprios nos isolamos dessa forma. É claro que o desejo de inserção no mundo literário global é legítimo. Mas a verdade é que não se quer realmente ser lido no mundo: quer-se ser lido em Manhattan. Nem Camden satisfaria. Sim, é uma alegria verdadeira ver a paixão recente dos norte-americanos por Clarice Lispector, por exemplo. Que alguns melhor informados estejam lendo Hilda Hilst por lá. Que Lúcio Cardoso tenha acabado de ser traduzido.

Mas aqui torna-se necessário pensar também no caráter imperialista da língua portuguesa, expressão de uma força colonial repressora. Afinal, assim como o inglês e o árabe, a língua portuguesa foi responsável pela morte de centenas de línguas, e mesmo as que resistem em nosso território continuam a morrer ignoradas.

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Bandeira possível para o Matriarcado de Pindorama https://blogs.dw.com/contraacapa/bandeira-possivel-para-o-matriarcado-de-pindorama/ https://blogs.dw.com/contraacapa/bandeira-possivel-para-o-matriarcado-de-pindorama/#comments Mon, 28 Nov 2016 14:03:00 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2187 Bandeira possível para o Matriarcado de Pindorama, desenhada por Philippe Leon

Bandeira possível para o Matriarcado de Pindorama, desenhada por Philippe Leon

Acontece às vezes de pessoas me perguntarem aqui no exterior se “Brasil” significa alguma coisa. O porquê desse nome. É mais difícil de explicar do que parece, pois mesmo a tradução para a árvore que deu origem ao nome do país apenas adota a palavra tal como é em português: pau-brasil em inglês é brazilwood, em alemão é Brasilholz. São traduções com adaptações de pau-brasil, traduzindo “pau” como “madeira”, mas sem traduzir a palavra “brasil”. Como então traduzir “brasil”? Pela lógica do português, brasil seria um adjetivo, derivado de brasa. O dicionário de Aurélio Buarque de Holanda dá várias definições para “brasa”: 1. Carvão ou lenha incandescente, mas sem chama; 2. Estado de incandescência; 3. Estado de afogueamento ou rubor vivo; 4. Mulher interessante, formosa; 5. Carvão e cinza que ficam no forno depois de apagado. Brasil é a qualidade da brasa. Da cor da brasa. Da natureza da brasa. É assim que tento explicar o nome a estrangeiros, passando pela madeira, sua importância para os invasores portugueses, a forma como se tornou sinônimo do país. A árvore tinha outros nomes nas variadas línguas autóctones do território: ibirapitanga e orabutã, por exemplo. O pigmento vermelho que se obtém da árvore é conhecido como brasilina. O nome científico da árvore costumava ser Caesalpinia echinata e passou a ser Paubrasilia echinata. No latim medieval, lignum brasilium.

Há alguns meses, o poeta e compositor carioca Mariano Marovatto publicou um texto intitulado “Genealogia do horror ao vermelho”, no ápice do ódio a esta cor e em meio à sanha antipetista – que levava pessoas até mesmo a atacarem outras na rua se estivessem de vermelho. Nele, Marovatto discute a história do nome e da cor vermelha em bandeiras, cor que jamais esteve na bandeira do Brasil. A partir do texto dele, comecei a me perguntar que outra bandeira possível seria esta, não mais ligada às cores dos invasores portugueses (o verde é a cor dos Bragança, o amarelo, dos Habsburgo). Voltei este mês aos textos de Oswald de Andrade, por ocasião do lançamento aqui na Alemanha das traduções de Oliver Precht para os dois manifestos do autor paulista. Escreverei sobre isso em breve. Se chamei este texto de “Bandeira possível para o Matriarcado de Pindorama”, foi em homenagem a Oswald e sua utopia. Aos nacionalistas, espero que isso acalme qualquer possibilidade de ofensa a seu brio verde-amarelo. Não propomos aqui uma bandeira vermelha comunista para o Brasil, como aquela senhora ensandecida pensou ser o caso da bandeira do Japão no Congresso há poucas semanas. Se há um desejo de comunhão, meu e de Marovatto, será antes a espécie de protocomunismo dos povos indígenas do território. Mas eu, pessoalmente, penso menos nesta bandeira para Pindorama, nome da terra mítica dos povos tupis, do que numa bandeira para um país verdadeiro, não o eterno país do futuro, mas um que talvez pudesse se chamar Ibirapitanga, talvez Orabutã, ou seja, Pau-Brasil, Brasil.

Abaixo, o texto de Mariano Marovatto, a bandeira que idealizamos e Philippe Leon desenhou, e um conto inédito meu, “Mulher de vermelho”, inspirado no atual red scare nacional. As cores da bandeira não querem representar conceitos ou raças. O branco poderia ser transparente, e assim veríamos apenas um pau-brasil brasil tremulando ao vento.

“Genealogia do horror ao vermelho”

Mariano Marovatto

Desde o século X o ocidente tinha registros da madeira nobre para fabricação de grandes objetos da qual se extraía também uma resina vermelha excelente para tingimento de tecidos. ‘Brecillis’, ‘brezil’, ‘brasil’, ‘bersil’ era o nome dado a essa madeira, derivados de seu original latino ‘brasilia’, em bom português, ‘cor de brasa’. Do litoral brasileiro, já nas primeiras décadas do século XVI, foram extraídas cerca de 70 milhões de árvores de pau-brasil. Grupos indígenas inteiros, designados para o corte das árvores, foram mortos ao longo desse período. Pela enorme quantidade de pau-brasil, aos poucos, a Terra de Santa Cruz começou a ser conhecida como Brasil. Os primeiros cronistas, cristãos e bajuladores da coroa, temiam pela troca do nome da terra descoberta. Gândavo pedia a restituição do primeiro nome, afirmando que só podia ter sido obra do demônio trocar o nome santo – a cruz feita de madeira que viu o sangue de Cristo escorrer – pelo nome de uma árvore demoníaca que sangrava também vermelho. João de Barros escreveu que ‘o nome de um pau que tinge panos’ não poderia ser mais importante que ‘daquele pau que deu tintura a todos os sacramentos por que fomos salvos, pelo sangue de cristo que nele foi derramado’. Na Europa a bandeira vermelha era hasteada, desde o século XV, nos castelos em guerra, opondo-se à bandeira branca de rendição: significava que ainda estavam em luta. A bandeira vermelha hasteada nos navios significava que uma vez capturados, nenhum homem seria poupado a bordo. Muitas bandeiras britânicas, espanholas, holandesas e a portuguesa, ao longo dos séculos seguintes, certamente tiveram o seu vermelho tingido de pau-brasil saído do litoral brasileiro, bem como o vermelho de todas as bandeiras de resistência. A bandeira brasileira – surgida muito tempo depois – que possui as cores da família de Bragança de Dom Pedro de Alcântara, verde, e da família Habsburgo, amarela, de Dona Leopoldina, jamais adotou o pigmento que deu origem ao nome e a invenção do país. Aboliu a cor da resistência em prol das mais reluzentes cores aristocráticas. Porém, herdou, canhestramente, o seu nome.

“Mulher de vermelho”

Ricardo Domeneck

(dedicado a André Capilé)

Era o Rio de Janeiro, capital nacional dos machos engraçadinhos. A mulher caminhava pela rua da Glória, chegando à do Catete, vestida de vermelho. Grávida, mas sem saber. Quando sentiu o vestido ser puxado com força por trás, só podia ser mão de estranho, entesou para a guerra. Quando virou, deu de cara com o homem, bufando. Era agosto de 2016. “Petista filha-da-puta!”, berrou o bofe, camisa entreaberta, cruz à vista. “Jesus é maior!” A senhora laqueada que passava saracoteia, aprova, acrescenta: “Acabou a mamata, cambada de ladrão!” O sangue vermelho debaixo do rosto, a mulher, pele negra como Nossa Senhora de Aparecida, o vestido feito o cair do sol na Baía de Guanabara, começou a responder “Tô de vermelho…”, mas não seguiu com o “… porque sô filha de Iansã”, com medo do que isso faria com os bufos do homem pardo de cruz e os saracoteios da senhora branca de laquê.

“Puta!”, gritou a senhora do laquê. “Vaca!”, gritou o homem da cruz. Dentro dela, sentiu mover-se uma búfala, já se preparava o leite no seu corpo, mas se conteve, segurou firme seus chifres. “Eparrei!”, solta, sem cabresto. O homem diz “Tá amarrado!”. A senhora se persigna. O Cristo mantém os braços abertos no Corcovado, a luz pública já começava a o deixar mais branco. Em Aparecida, Nossa Senhora seguia com as mãos unidas em prece. Santa virgem com filho morto. Seiva de pau-brasil escorria em um canto do estado. Fogo desmatava outra área. A mulher de vermelho seguiu a rua do Catete, a caminho do trabalho no sertão da rua do Ouvidor. Passa rápida pelo palácio que abriga o pijama do pai dos pobres, salpicado também de vermelho. A bandeira ondulava nas cores de Bragança e Habsburgo, o brasão das armas do Império contava estrelas para dormir. Na África, àquele momento baliam carneiros.

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Dylan, ainda https://blogs.dw.com/contraacapa/dylan-ainda/ Mon, 24 Oct 2016 14:47:01 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=2131 16229664_303

Sei que para o mundo do jornalismo cultural como é praticado hoje, o gancho passou, o assunto é velho. Mas permitam-me usá-lo para discutir uma questão que não passou. Afinal, diz-se que Bob Dylan sequer aceitou o prêmio de forma oficial ainda, com exceção de uma postagem em sua página, mais tarde retirada. Eu próprio saudei o prêmio a ele na página de cultura da DW Brasil [“Um prêmio a um trovador moderno”], mas dissenso continua sendo uma coisa positiva no mundo. Minha defesa da decisão, em primeiro lugar, não havia sido uma defesa de Bob Dylan – que não precisa dela. Mas da tradição oral, do reconhecimento desta como origem da poesia. Como ironizou o poeta sonoro austríaco Jörg Piringer nas redes sociais, “um prêmio a um poeta com gravações, bem-vindos ao século 20!”. A ironia de ver o autor de “Masters of War” ganhar um prêmio com dinheiro feito com dinamite não me escapou. Mas, afinal de contas, esta ironia ocorre todos os anos quando o prêmio que deve servir de maquiagem para o legado de Alfred Nobel é anunciado, o Nobel da Paz, com exceção do ano, é claro, em que Barack Obama o recebeu enquanto fazia guerra em alguns países.

Portanto, há sim uma certa alegria pelo prêmio a Dylan, da minha parte. Mas não por ele, que não precisa deste prêmio. Continuo acreditando: a poesia ainda é a arte mais popular do planeta, sempre foi e será, mas trata-se aqui da poesia cantada e falada, porque a população do mundo jamais abandonou a tradição oral, apesar das narrativas históricas de velhos acadêmicos. A despeito deles, vai muito bem a tradição oral, ainda que em tantos casos esta separação marcada demais entre poesia-para-a-voz e poesia-para-a-página tenha tornado preguiçosos os poetas cantores ao escrever seus textos, e tediosos demais os poetas escritores ao compor os seus. Dylan não precisa deste prêmio porque seu legado está seguro, seus poemas cantados ainda são… cantados. E é aqui que se torna imperativo perguntar: a Academia Sueca por acaso sabe que o mundo é mais que seu Noroeste, também tem um Nordeste, um Sudoeste e um Sudeste? Outro homem branco do Noroeste recebe o prêmio, compondo na língua do Império, a inglesa? Portanto, me alegro com muitas ressalvas. Sim, eu sei que é apenas um prêmio. Mas tais coisas têm muito poder, poder que poderia ser usado para salvar obras importantes que estamos perdendo.

Vamos esquecer das nações, por um segundo. A ideia de literatura nacional é outra velharia que não me interessa muito. O que me importa é língua. Quantas línguas receberam o prêmio?

Inglês: 27
Francês: 16
Alemão: 13
Espanhol: 11
Sueco: 7
Italiano: 6
Russo: 6
Polonês: 4
Dinamarquês: 3
Norueguês: 3
Chinês: 2
Grego: 2
Japonês: 2
Árabe: 1
Bengalês: 1
Tcheco: 1
Finlandês: 1
Hebraico: 1
Húngaro: 1
Islandês: 1
Provençal: 1
Português: 1
Servo-Croata: 1
Turco: 1
Iídiche: 1

Como se pode ver, as línguas que serviram de arma ao colonialismo europeu estão muito bem cuidadas. A Academia Sueca voltou os olhos para a África quatro vezes e para a África subsaariana, três: em duas delas, premiou escritores brancos da África do Sul, Nadine Gordimer e J. M. Coetzee. Com todo o respeito a Coetzee, mas quem pode argumentar que se tratava de uma escolha incontornável? O único autor negro do continente a receber o prêmio foi Wole Soyinka. E o egípcio Naguib Mahfouz é o único identificável com o mundo árabe. O prêmio a Dylan, outro americano, significou portanto esnobar mais uma vez escritores como o queniano Ngugi wa Thiongʼo, o moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, a ganesa Ama Ata Aidoo e o somálio Nuruddin Farah, sem mencionar os mortos dos últimos anos, como o sudanês At-Tayyib Salih, o nigeriano Chinua Achebe e a argelina Assia Djebar. Ou, se era hora de premiar a poesia cantada e falada, imaginem o efeito positivo, cultural e político, se Sotigui Kouyaté ou Dan Maraya Jos tivessem sido premiados? Ou o jamaicano Linton Kwesi Johnson, vivo?

Assim, apesar de ter saudado e ainda saudar de alguma forma o prêmio a Dylan, gosto muito de dissenso, e cito aqui outro problema com esta declaração do poeta brasileiro José Rodrigo Rodriguez: “A transgressão das fronteiras entre arte ‘popular’ e arte ‘erudita’ tinha bem mais sentido na época em que o ‘erudito’ não havia se tornado um campo de resistência, atacado por todos os lados pela pressão de dar lucro, pela demanda de ser compreensível e pela exigência de ter ‘relevância social’; lógica falsamente popularizante, embutida em quase todos os programas de incentivo cultural governamentais. Hoje, gestos assim correm o risco de soarem passadistas, repetitivos e de reforçarem a lógica do vencedor.”

Há então em mim uma tristeza e uma alegria inconciliáveis com este Nobel a Bob Dylan. Estamos perdendo línguas e todos os poemas, canções e épicos contidos nelas a um passo assustador. Imaginem quanto Gilgamesh, quanta Odisséia e quanto Popol Vuh perdemos para sempre! Portanto, viva a tradição oral! Este é o mundo do bardo Taliesin, do século 6; é o mundo de trovadores como Arnaut Daniel e sua letra-de-música, aquela maravilhosa sextina; de Minnesängern como Walther von der Vogelweide; mas também de griots como Dembo Kinté e de um poeta épico do século 20 como  Avdo Međedović, que levou tanta poesia consigo para o túmulo. Este é o mundo da miríade de poéticas orais dos povos ameríndios, e daquela tradição viva ainda que anônima do “landay”, das mulheres afegãs. Como seria bom se a Academia Sueca usasse o poder que tem para chamar nossa atenção para estas grandes tradições, algumas delas distantes do Noroeste do mundo.

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