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Notícias do front literário: nada de novo?

Olhando deste lado do Atlântico, a vida literária aí no Brasil parece agitar-se. Comento a seguir duas das notícias que me chegaram aqui nos últimos dias.

§ – Augusto de Campos recebe o Prêmio Pablo Neruda, outorgado pelo governo do Chile

Vale começar com uma boa notícia. E uma notícia que surpreende: não é sempre que um prêmio institucional, outorgado por um governo, é dado a um autor considerado experimental, e por vezes difícil. Quando o prêmio honra um poeta como Pablo Neruda, pode-se esperar que ele seja dado a autores desta linhagem da poesia latino-americana, e Augusto de Campos talvez seja hoje o maior representante de uma linhagem bastante diferente em nossas letras, mais concentrada em sua linguagem, de caráter construtivista, distante do poeta chileno, com sua verve épica, autor de um dos mais conhecidos poemas longos do continente, o Canto General (1950). Ao mesmo tempo, ainda que Augusto de Campos seja um nome incontornável no Brasil, faz pouco que sua obra começou a atravessar com mais força a fronteira, com traduções e edições em países da América Latina e na França, por exemplo. Celebrar a presença do poeta paulistano entre nós é importante, e mostra a vitalidade de sobrevivente da poesia em língua portuguesa, que ainda conta com mestres como Augusto de Campos, mesmo que tenha perdido há pouco aquela outra voz da balança poética, Herberto Helder.

§ – Academia Brasileira de Letras não outorgará prêmio de poesia este ano

Quanto a prêmios no Brasil, a última lambança a chegar ao fórum das redes sociais foi a notícia de que os jurados do prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, os “imortais” Ferreira Gullar, Alberto da Costa e Silva e Cleonice Berardinelli, não haviam encontrado livros de poesia dignos de prêmio entre as publicações do ano passado [“Decisão da ABL de não premiar poesia surpreende o setor”, O Globo, 23/06/2015]. Os três jurados são intelectuais brasileiros importantes e merecem, com níveis variados, nosso respeito. Não estão, certamente, acima do bem e do mal, como declarou Silviano Santiago, citado no artigo já mencionado. Poetas que chegam à casa dos 80 e conseguem manter um contato real com a poesia das gerações mais novas são raros. E talvez não valha a pena voltar à crítica de sempre contra a ABL. Os senhores e senhoras de fardão têm suas prioridades e ideologias. Quiçá o fato de que a ABL não quer premiar qualquer livro de poesia este ano seja o melhor elogio que a poesia contemporânea poderia receber. Ao mesmo tempo, Adriana Calcanhotto escreveu um texto lúcido a respeito [“Decisões radicais”, O Globo, 28/06/15], dizendo que o Brasil precisa de excelência e rigor neste momento. Ainda que haja livros que poderiam ter recebido o prêmio da Academia, haveria livros que não poderiam ter deixado de recebê-lo?, ela pergunta em seu texto. É uma questão séria e importante. Ela acredita que tal atitude, demonstrando rigor, pode ser frutífera para nossa produção, e tem razão, em vários aspectos. Há muita preguiça hoje na poesia brasileira. Se muitos poetas, durante a década de 90 por exemplo, nos entregaram textos rígidos demais, talvez hoje o desejo de espontaneidade (esta desculpa brasileira para preguiça e incompetência) sirva como muleta para os textos frouxos que vêm sendo motivo para cortes de árvore e publicação em papel. Resta saber se é de um autor como Ferreira Gullar que podemos receber tal conselho, já que ele próprio ganhou vários prêmios por um livro fraco e frouxo como Em Alguma Parte Alguma (Rio de Janeiro: José Olympio, 2010).

Data

quarta-feira 01.07.2015 | 09:29

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