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Dezesseis histórias de um brasileiro

flyer-1_complet-16stmokokokNesta segunda-feira, fui a uma região de Berlim que frequento pouco, logo à saída da estação de metrô do Märkisches Museum. Todas as vezes que fui à Wallstrasse, tinha um objetivo específico: visitar a Embaixada do Brasil que fica ali, naquela rua, para resolver alguma questão burocrática. Logo diante do metrô, está também a Embaixada do Congo, e mais à frente as embaixadas de Angola e da Austrália. Mas, naquela noite, entrei pelo estacionamento de uma escola no número 32 até chegar a um pátio interno onde fica a TheaterHaus Mitte. Havia sido convidado pelo ator e encenador brasileiro Leonel Henckes a assistir ao seu espetáculo 16 Stories Towards Me, com direção de Christina Kyriazidi.

Apenas 16 pessoas podiam assistir a cada apresentação e, ao chegar à sala do espetáculo, com 16 cadeiras dispostas pelo palco e destinadas à plateia, algo do conceito começou a delinear-se, antes mesmo que Henckes entrasse em cena. A apresentação era conduzida em português, com legendas em inglês numa tela. Como eu era o único brasileiro presente, o ator pediu que eu me sentasse na cadeira que ficava de costas para a tela.

A partir dali, Henckes tomava sua própria cadeira, posicionava-se à frente de uma das pessoas na plateia, e começava a narrar, para aquela pessoa, uma de suas dezesseis histórias. Todas eram histórias pessoais, retiradas de sua própria vida. Uma conversa com o avô; o momento com a mãe, quando ele estava prestes a deixar o Rio Grande do Sul a caminho da Bahia, onde estudaria; o começo, meio e fim de um relacionamento, que ele chamou de seu primeiro amor; a relação com o pai, com o irmão, um encontro desagradável (como costuma ser) com a polícia brasileira. Histórias corriqueiras na sua forma, mas individuais em seu conteúdo. Conversas, brigas, revelações e declarações que ocorrem em vários lares brasileiros, mas com suas pequenas variações decorrentes de nossas embrenhadas tramas e tramoias religiosas, raciais, sexuais. Com um mínimo de recursos cenográficos, Henckes apresentava sua experimentação: em recursos narrativos, em dispositivos de comunicação e contato afetivo.

Em uma das vinhetas narrativas, o espectador que ouvia a história sobre o primeiro amor do ator, e o subsequente fim deste, estava claramente emocionado, disfarçava os olhos mareados. Era uma maneira muito mais sutil de trazer o espectador para dentro da cena, sem o arrastar gritando para o palco. A plateia já estava no palco, e a peça era o que narrava Henckes, mas principalmente o que ocorria entre o ator e a plateia.

É um espetáculo simples e bonito, que me fez pensar muito no início da própria linguagem e de como surgiram todas essas sofisticadas formas e gêneros artísticos sobre os quais temos tantas teorias hoje. Não terá sido primeiro assim, um grupo de pessoas à noite, recontando histórias da tribo e dos antepassados, que nossas primeiras formas de poesia, teatro e narrativa surgiram? Não terão sido nas primeiras reuniões dessa forma, ao redor de uma fogueira ou dentro de uma caverna, há milhares de anos, que nossas primeiras palavras começaram a ser inventadas, para poder seguir com a narração? Neste aspecto, as histórias de Henckes passam a não ser mais suas, para se tornarem as histórias das pessoas ali também, que não podem deixar de pensar no momento em que elas próprias largaram a mãe chorando em casa e partiram, numa conversa com os próprios avós, em suas próprias noções de casa, comunidade, país.

Se você estiver em Berlim, Henckes apresenta o trabalho mais duas vezes na cidade, nestes 11 e 12 de janeiro, n’A Livraria (Torstrasse 159), às 19h. Mais informações abaixo:

16 Stories Towards Me

Sinopse: 16 cadeiras, 16 espectadores, 16 histórias. Um homem encara os seus olhos. 16 histórias entre vocês. As histórias que fizeram ele o que ele é hoje. Anedotas infantis, segredos de família, o primeiro amor, passado diaspórico e viagens do futuro. Memórias esporádicas, verdade ou ficção, persistem entre a necessidade de revelar e a vontade de esconder. Quantas das minhas histórias você precisa conhecer para chegar a me conhecer?

Ficha Técnica
Direção: Christina Kyriazidi
Atuação: Leonel Henckes
Dramaturgia: Christina Kyriazidi e Leonel Henckes
Música ao vivo: Ismael Martínez Ferrer
Assistente e consultora: Julia Lehmann

Serviço:
11 e 12/01/2017 – 19h
A Livraria Berlin (Torstrasse, 159)
Ingressos: € 7
A performance comporta apenas 16 espectadores.

Mais informações: www.16storiestowardsme.com

Reserve seu lugar antecipadamente pelo e-mail: leonelhenckes@hotmail.com

Data

quarta-feira 11.01.2017 | 12:41

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A irresponsabilidade com a língua: sobre a campanha desastrosa do Ministério dos Transportes

passagem da campanhaHá alguns dias deparei-me nas redes sociais com o primeiro cartaz da nova campanha do Ministério dos Transportes, que busca ensinar o público a evitar comportamentos de risco ao volante – como falar ao telefone. Este primeiro cartaz mostrava uma mulher jovem, com um cão ao colo, e em letras garrafais: “Quem resgata animais na rua pode matar”, seguido, em letras pequenas, do objetivo da campanha “Não use o celular ao volante” e encerrando com esta pérola: “Gente boa também mata”. A campanha parecia uma daquelas ideias estapafúrdias de publicitários que em algum momento são descartadas ainda no processo de sugestões por alguém com um mínimo de responsabilidade, mas a campanha havia seguido e ali estava. Paga, impressa, distribuída pelas ruas das cidades brasileiras. Um desperdício de dinheiro público, se pensarmos como tudo ali é incompetente: o uso da diagramação, o salto interpretativo que exige para uma campanha de rua. Uma coisa talvez com pé, mas completamente sem cabeça. Mas então passamos da incompetência da campanha à sua irresponsabilidade. Às implicações da verdadeira estupidez política da campanha. Dias atrás, uma chacina em Campinas custara a vida de 12 pessoas, com os grandes jornais reproduzindo a mensagem misógina e violenta do assassino. A campanha certamente fora pensada antes disso, mas qualquer cidadão de olhos abertos deveria saber que aquela chacina não é algo infrequente no país. E ali estava a foto de uma mulher, numa campanha com tamanha inconsequência num país com números vergonhosos de violência de gênero.

Hoje vi um segundo cartaz com a foto de um jovem negro, e novamente em letras garrafais: “O melhor aluno da sala pode matar”, para então, em letras pequenas, recomendar que se respeite o limite de velocidade. Aqui, somos obrigados a pausar e tentar imaginar que pessoas realmente sentaram-se ao redor de uma mesa em uma agência de publicidade do país e tiveram estas ideias, e que a ninguém presente tal raciocínio pareceu de estupidez e irresponsabilidade políticas gritantes. Que estas ideias mais tarde foram expostas mais uma vez em Brasília, no Ministério dos Transportes, e que de novo ao redor de uma mesa, numa conversa regada a cafezinho (também pago com dinheiro público) em nenhum cérebro soou o alarme. Num país em que jovens negros são mortos com uma frequência horrorizante, num país que ainda tenta maquiar seu racismo institucional, em uma República racista que vê sempre jovens negros como perigosos, as pessoas (ir)responsáveis pela agência Nova/SB e pela publicidade no Ministério dos Transportes foram capazes de brindar a população brasileira estas demonstrações – repito – de estupidez e irresponsabilidade políticas.

Só uma coisa se compara à estupidez política da Agência Nova/SB: seu cinismo em ainda tentar angariar mais publicidade para si, retuitando críticas ferrenhas à campanha e usando memes engraçadinhos como respostas a elas. Em seu “Código de ética” publicado em sua página, a agência afirma que “Nenhum empregado ou potencial empregado receberá tratamento discriminatório ou qualquer forma de assédio, intimidação ou qualquer conduta inapropriada em consequência de sua personalidade, raça, cor de pele, origem étnica, nacionalidade, posição social, idade, religião, identidade de gênero, orientação sexual, estética pessoal, condição física, mental ou psíquica, estado civil, opinião, convicção política, ou qualquer outro fator de diferenciação individual.” Pois bem. É louvável que a agência tenha esta preocupação em seu código de ética, mas ela infelizmente demonstrou insensibilidade explícita aos aspectos discriminatórios desta campanha. Todos nós cometemos erros, e posso imaginar as dificuldades financeiras que aceitar e consertar erro de tamanha dimensão podem implicar. Mas esta campanha precisa ser retirada das ruas das cidades brasileiras. É inaceitável que mulheres, cidadãs, e também os cidadãos negros que pagaram por esta campanha tenham que ser sujeitados a tal irresponsabilidade política. A língua não é bem privado, é um bem de toda uma comunidade. Aí reside a exigência de sensibilidade e responsabilidade políticas em seu uso: pelo Governo, por agências publicitárias, por escritores e poetas, por qualquer um andando pelas ruas da República Federativa do Brasil.

Data

quarta-feira 04.01.2017 | 10:06

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Começo e continuação do ano

Há alguns anos, num “reveião” passado, um amigo me disse: “Ora, é apenas outro dia.” Eu me lembro de dizer a ele que não subestimasse comportamentos ritualísticos. A passagem de ano nos dá a todos a sensação de recomeço, de novas chances. Faz-se a resolução de mudança na própria vida e tenta-se chegar à mudança com um tiquinho mais de afinco. Mesmo que apenas sensação de recomeço, é provável que ela seja mais essencial do que imaginamos para sobrevivermos aos golpes de sempre. Não subestimo a coisa, ainda que este ano tenha sido particularmente difícil entrar no clima de renovação. Ontem, quando me perguntaram como ia meu ano novo, respondi que não tinha ainda a sensação de ano novo. Parecia apenas um ano longo. Todo pela frente.

O ano passado foi particularmente difícil. Mas a verdade é que muito do que aconteceu no ano passado será sentido de verdade apenas neste. Segurem-se nas cadeiras. Não preciso mencionar os acontecimentos políticos de 2016 aos quais me refiro, no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, que parecem dividir-nos a todos em dois grupos distintos. É possível que esta polarização apenas cresça este ano. Em seu poema “Lamento do historiador”, o alemão Heiner Müller descreve como o historiador romano Tácito reclama dos tempos de paz em um de seus livros, que não lhe davam material para escrever grandes sagas imperiais, e desculpava-se junto a seus leitores. O alemão encerra seu poema: “Eu, por minha vez, dois mil anos depois dele, / Não preciso desculpar-me e não posso / Queixar-me da falta de bom material.”

Enquanto celebrávamos dos dois lados do Atlântico, um ataque terrorista acontecia em Istambul, e uma chacina horrenda ocorria em Campinas. Há qualquer ligação entre as duas? Como poderia? Istambul, Campinas. Talvez nossas violências sexuais, religiosas e raciais tenham matriz comum? Este é um ano de aniversários auspiciosos. Centenário da Revolução Russa. Neste clima de polarização, tenho medo de como isso será discutido. A julgar pelas reações em torno da morte de Fidel Castro, temo que muito será dito por pura pirraça intelectual, cada lado querendo ofender o outro um pouco mais. É o ano ainda de do aniversário de 10 anos da morte de uma poeta ainda desconhecida do público, que comanda porém minha imaginação com o pouco mais de uma dezena de poemas que conhecemos: Hilda Machado (1952-2007). Espero conseguir editar seu trabalho este ano. São dela estes versos que vêm a calhar num começo de janeiro:

“feliz ano novo
bem-vindo outro
como é que abre esse champanhe
como se ri”

Infelizmente, o ano mal começou e já nos brindou também com a morte de um intelectual admirável: o romancista, poeta e crítico de arte John Berger (1926-2017). Seu famoso programa “Ways of Seeing” para a BBC é mais do que recomendável a quem não o conhece, e pode ser visto na íntegra na Rede. Aos 90 anos, porém, ele já tinha nos dado provavelmente mais do que merecíamos. Vínhamos pedindo que 2016 acabasse logo como se fosse alta temporada de morte. Mas quando acaba a temporada de morte e de nascimento? É que os nascimentos só são descobertos muito mais tarde. A morte não precisa de ajuda publicitária. Por isso, encerro com este pequeno poema de John Berger que traduzi hoje de manhã, mas o dedico aos poetas que estão nascendo nestes dias ao redor do mundo.

“Outubro”

Talvez Deus seja como os contadores de histórias

que amam os frágeis mais

do que os fortes

os vitoriosos menos

do que os abatidos.

De qualquer forma

num outubro fraco e tardio

a floresta queima

com a luz do sol

do verão inteiro que se foi.

Data

terça-feira 03.01.2017 | 14:33

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Leituras estrangeiras em 2016

Seguem algumas recomendações de leituras estrangeiras, coisas que me caíram nas mãos e entraram pelos olhos este ano. Vou me concentrar não apenas nas que mais me marcaram, mas especialmente em algumas coisas que chegam com dificuldade ao Brasil. Ficam também como sugestões para traduções a qualquer editor que acabe lendo isso.

Uma das leituras que mais me marcaram (e perturbaram) foi o cultuado livro da coreana Theresa Hak Kyung Cha, chamado ‘Dictee’. Publicado em 1982, o livro sai pouco antes da autora, diretora e artista ser volentada e assassinada em Nova York. Um livro trágico em todos os seus aspectos. É um livro também híbrido, mesclando narrativa memorialística, ensaio histórico, poesia. Lembro-me de uma entrevista do poeta norte-americano Robert Creeley, em que ele comenta ter lido ‘Os sertões’ de Euclides da Cunha, e menciona a sensação quase física de adição de espaço e tempo a sua mente, desconhecendo como desconhecia até então não apenas o espaço geográfico real que é o sertão brasileiro, quanto o que o sertão brasileiro congrega de história. Talvez seja uma forma de descrever o que o livro de Theresa Hak Kyung Cha fez em minha mente a partir de sua descrição da invasão e colonização da Coreia pela Japão, as lutas por independência com seus heróis, nomes que evocam História imediatamente a um leitor coreano, mas que eu, brasileiro, desconhecia por completo. É como imaginar o que um nome como Antônio Conselheiro, tão carregado de significado para nós, faz aos leitores na Alemanha, por exemplo, da tradução de Berthold Zilly para o clássico brasileiro. O livro de Theresa Hak Kyung Cha é dividido em 9 partes, cada parte dedicada a cada uma das musas. Na primeira parte dedicada a Clio, a Musa grega da História, por exemplo, a autora discute a vida de Yu Guan Soon (1903–1920), uma estudante coreana acusada de liderar uma revolta contra os japoneses. A jovem morreu na prisão aos 17 anos, acredita-se que em decorrência da tortura. Em outra parte, ela discute o exílio de sua mãe coreana na Manchúria, China, o que se torna um espelho do próprio exílio da autora nos Estados Unidos. Tudo isso vem marcado pela troca de língua, uma autora nascida na Coreia, naturalizada americana e escrevendo em inglês. Sua discussão sobre identidade e sobre a invasão e colonização da Coreia pelo Japão uniram-se a minhas releituras recentes de Oswald de Andrade, por ocasião do lançamento das traduções de Oliver Precht aqui na Alemanha. Identidade. Tupy or not tupy, that is the question. Como sequer pensar numa correlação entre Coreia/Japão e Brasil/Portugal? Eu achava que estas perguntas já haviam sido respondidas por nossos modernistas, sejam os poetas como Mário de Andrade ou os pensadores como Gilberto Freyre. Mas elas se reabriram na minha cabeça. Cada vez mais me parece que o destino da pergunta de Oswald de Andrade seja esta: jamais ser respondida.

Outra coisa importante foi ler a versão de Anne Carson para a peça de Sófocles, ‘Antígona’, intitulada em versão da canadense como ‘Antigonix’. Anne Carson está sem dúvida entre os maiores poetas, tradutores e escritores vivos neste planeta hoje. Os que aguardam novos trabalhos seus os recebem com alegria de culto. Exímia tradutora do grego antigo, é estonteante ver noções como tradição e vanguarda, ou original e tradução, perderem qualquer sombra de separação em seu trabalho. ‘Antigonix’ é ao mesmo tempo tradução, edição comentada, poema original. Consciente ainda de que jamais poderemos ler ou assistir a uma tragédia grega como elas eram em seu contexto original, perdido para nós no tempo, Anne Carson a traz para nosso tempo. É um livrinho excepcional de uma poeta excepcional. Li outros dois livros dela este ano: ‘Glass, Irony, and God’ (1995) e ‘The Beauty of the Husband’ (2001). Não posso recomendar o trabalho dela com entusiasmo suficiente. Para meu próprio trabalho, ler Àntigonix’ foi libertador no sentido de perceber que há algumas tragédias nossas que ainda podemos trabalhar em texto, ainda que seus contextos tenham se tornado distantes.

No momento, não consigo parar de ler a tradução em língua inglesa para o primeiro volume de memórias de Nadezhda Mandelstam, a esposa do importante poeta russo Ossip Mandelstam, que morreu no Gulag em 1938 após escrever um poema satírico contra Stálin. Este primeiro volume começa com a descrição da noite em 1934 em que a polícia secreta prende o poeta pela primeira vez, então seu exílio, a segunda prisão em 1937 (ano temido e fatídico, quando a polícia secreta já nem fingia tentar seguir a lei), e sua morte no ano seguinte. Intitulado ‘Esperança versus esperança’, o título traz já nele a inteligência sardônica da escritora. O seu primeiro nome, Nadezhda, significa justamente “esperança” em russo, levando portanto o título a várias leituras, como ‘Esperança versus esperança’, tal qual é geralmente traduzido, mas ainda ‘Nadezhda versus esperança’, ou ‘Nadezhda versus Nadezhda’. O segundo volume é intitulado ‘Esperança abandonada’ (ou Nadezhda abandonada’), e cobre o período após a morte do marido, quando a escritora passa a viver de cidade em cidade, salvando em sua memória os poemas do marido. É uma leitura perturbadora, eletrizante ao mesmo tempo, e creio que seria muito importante para o Brasil lançá-la, especialmente em 2017, com o centenário da Revolução.

Em poesia, foi importante conseguir a coletânea dos poemas completos do também romancista, contista e dramaturgo zimbabuense Dambudzo Marechera, morto aos 35 anos em decorrência da AIDS em 1987 na capital de seu país, Harare. O volume intitula-se Cemetery of Mind (1990), e venho traduzindo vários textos, aos poucos, para uma eventual publicação no Brasil. Estas foram algumas das leituras estrangeiras que me marcaram este ano.

Data

sexta-feira 30.12.2016 | 15:47

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Algumas reuniões de palavras que me marcaram em 2016

Esta não é uma lista de melhores, porque é impossível para mim, aqui em Berlim, ter a pretensão de acompanhar tudo o que se produz com a língua oficial no país assim que os trabalhos são lançados. Posso acompanhar melhor a poesia, mas os trabalhos em prosa em geral são lidos mais tarde. Esta é portanto apenas uma lista muito pessoal de algumas obras de arte com palavras que me marcaram neste ano difícil.

PROSA: Vou começar com um romance, porque será o único que vou mencionar: O amor dos homens avulsos (São Paulo: Companhia das Letras, 2016), de Victor Heringer. Venho acompanhando o trabalho do carioca desde que surgiu, e já escrevi sobre sua prosa aqui após a publicação do premiado Glória (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012). Seu segundo romance foi bastante discutido, e estou trabalhando numa pequena resenha. Adianto aqui algumas questões: O interesse parece ter se concentrado principalmente na questão da sexualidade da personagem principal, mas há aspectos do romance que parecem ter ficado algo à margem da discussão, quando o autor tece, com inteligência, uma rede de violências que passa por questões étnicas, religiosas e sexuais, ambientando essa rede de destruições individuais e coletivas num período bastante específico, o da ditadura civil-militar. Quais são os nós que ligam estes fios em teia? Há algo sutil e engenhoso nessa tessitura de violências, uma rede de brutalidade que talvez ainda leve algum tempo para desentranharmos em todas as suas possíveis implicações. O romance merece ainda bastante trabalho crítico de nossa parte.

Prosa lançada há pouco e que espero ler em breve (quando conseguir um exemplar em Berlim): Machado, de Silviano Santiago; Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, de Elvira Vigna; O marechal de costas, de José Luiz Passos; Sul, de Veronica Stigger.

Reuben da Rocha

Fascículo 6 do poema-gibi sci-fi de Reuben da Rocha

POESIA: Logo no começo do ano, Adelaide Ivánova publicou O martelo (Lisboa: Douda Correria, 2016). Por ter saído apenas em Portugal, foi menos discutido no Brasil do que merecia. É um livro importante para a produção contemporânea, lidando com a violência de gênero de forma potente entre nós, distinta da veia mais satírica de Angélica Freitas, por exemplo. O anúncio de que o livro será lançado no Rio de Janeiro pela Editora Garupa em janeiro de 2017 é uma notícia bem-vinda. Reuben da Rocha passou o ano lançando vários volumes de seu poema-gibi sci-fi em seis fascículos Siga os sinais na brasa longa do haxixe, ligando-o à tradução dos experimentadores não apenas da escrita, mas também da poesia visual em seus aspectos de grafia, diagramação, publicação e distribuição. É uma linhagem que liga o Qorpo-Santo de Ensiqlopèdia ou seis meses de uma enfermidade (1877) um século depois a uma revista como Navilouca (1974), assim como Valêncio Xavier em O Mez da Grippe (1981), Glauco Mattoso em Jornal Dobrabil (1981) ou Sebastião Nunes em Antologia Mamaluca (1988). Outra coletânea de poemas extremamente bonita lançada este ano foi Seiva veneno ou fruto, de Júlia de Carvalho Hansen. Eu o chamei de “milagrinho discreto” em um texto neste espaço, dedicado também à editora que o publicou. Esta mesma editora está ligada a um belo acontecimento do ano que parece estar sendo/ter sido a redescoberta, por um público mais amplo, do trabalho de Leonardo Fróes, um dos grandes poetas vivos do Brasil, neste ano em que perdemos alguns excelentes poetas. Recomendo também o novo livro de Luca Argel, Uma pequena festa por uma eternidade, e que acompanhem o projeto inovador da Azougue com sua Coleção Postal, que já lançou antologias de poetas como Torquato Neto, Roberto Piva, Glauco Mattoso, Guilherme Zarvos e Josely Vianna Baptista.

Poesia lançada há pouco e que espero ler em breve: dois dos mais importantes poetas da década de 1990 lançaram livros novos nos últimos meses, e livros deles são sempre acontecimentos. Ricardo Aleixo lançou, de forma independente, seu Impossível como nunca ter tido um rosto. E Carlito Azevedo lançou, sete anos após seu Monodrama, o esperado O livro das postagens, pela Editora 7Letras.

CANÇÕES: este ano pude ouvir com calma duas bandas brasileiras que me parecem realmente excelentes, a Metá Metá e a Bixiga 70. Acompanhei de longe o trabalho de Ava Rocha e tive a honra de fazer parte, com um texto, do álbum de Sandra X. Mas dois trabalhos lançados especificamente este ano merecem um destaque. Um deles é o excelente álbum de Negro Leo, Água Batizada. É um trabalho impressionante. E, por fim, talvez nada descreva e sirva de antídoto melhor a 2016 do que o álbum de Elza Soares, A mulher do fim do mundo. A canção que dá título ao álbum e especialmente a canção Luz vermelha deveriam ser elencadas entre os grandes poemas do ano. Não consigo tirar da caebça estas palavras: “Telhado agora é porão tira de cima de mim esse pedaço de pedra / Me dá um abraço que o chão se abriu debaixo de nós e até o coxo tropeça / Bem que o palhaço falou que o laço vai se fechar e o laço sempre se fecha / Bem que o anão me contou que o mundo vai terminar num poço cheio de merda.”

Data

terça-feira 27.12.2016 | 13:48

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