crônica – Contra a capa https://blogs.dw.com/contraacapa Wed, 03 May 2017 16:25:57 +0000 pt-BR hourly 1 O escritor apresenta sua tarefa https://blogs.dw.com/contraacapa/o-escritor-apresenta-sua-tarefa/ https://blogs.dw.com/contraacapa/o-escritor-apresenta-sua-tarefa/#comments Tue, 01 Jul 2014 13:03:47 +0000 http://blogs.dw.com/contraacapa/?p=51 O jornalismo – ao lado da carreira diplomática e, especialmente hoje, da academia e da vida universitária – tem sido uma constante no trabalho dos escritores brasileiros.

Já no século 19, Machado de Assis era uma presença constante nos jornais cariocas, colaborando sob pseudônimo para publicações como o Jornal da Família, além de colaborar com o Correio Mercantil, o Diário do Rio de Janeiro e a Gazeta de Notícias, na qual manteve a coluna “A Semana” a partir de 1892. Como era comum à época, Raul Pompeia publicou sua obra-prima, O Ateneu, primeiramente em forma seriada, em folhetins da mesma Gazeta de Notícias, este que foi um dos jornais mais importantes do século 19, contando ainda entre suas páginas com nomes como Coelho Neto, Aluízio Azevedo e José do Patrocínio.

Foi como correspondente do jornal paulistano O Estado de S. Paulo que Euclides da Cunha partiu para o sertão baiano para cobrir a Guerra de Canudos, experiência que nos valeria Os Sertões (1902), um dos livros monumentais da literatura brasileira, nosso anti-épico. O convite do jornal, ademais, surgiu após a publicação de seu artigo “A nossa Vendeia”, em 1897, e foi primeiramente como jornalista que Euclides começou a deixar suas marcas na vida cultural do país.

Sobre a relação dos escritores do século 19 com os jornais, o crítico Sérgio Miceli escreveu: “Em termos concretos, toda a vida intelectual era dominada pela grande imprensa que constituía a principal instância de produção cultural da época e que fornecia a maioria das gratificações e posições intelectuais. Os escritores profissionais viam-se forçados a ajustar-se aos gêneros que vinham de ser importados da imprensa francesa: a reportagem, a entrevista, o inquérito literário, e em especial, a crônica”.

No início do século 20, a cultura literária do Brasil viu nascer um de seus maiores talentos para a sátira na figura de João do Rio, assinando “O Brasil Lê” para a mesma Gazeta de Notícias, além de colaborar com outras publicações como O Paiz, O Dia, Correio Mercantil, O Tagarela e O Coió, e dirigir a revista Atlântica. Já Lima Barreto, que trabalhou no Correio da Manhã, perderia o cargo após a publicação de seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1915), no qual satirizou a classe jornalística carioca.

Sob pseudônimos como Helen Palmer, Teresa Quadros e Ilka Soares, a escritora Clarice Lispector chegaria mesmo a escrever sobre cuidados com a beleza para revistas e colunas destinadas ao público feminino, em veículos como O Comício e Diário da Noite. Mas, em muitos de seus textos para a imprensa, reinava em si a grande escritora que foi, como vemos nos textos reunidos em A Descoberta do Mundo (1984). Um exemplo é o seu estranhíssimo “Brasília: Esplendor” ou o assombroso “Mineirinho”, textos que hoje nos parecem incompatíveis com a grande imprensa como a conhecemos hoje.

A lista de escritores brasileiros que mantiveram colunas em jornais ou contribuíram assiduamente com a imprensa quase confunde-se com a própria lista do cânone. Nelson Rodrigues dizia ter praticamente nascido dentro da imprensa, trabalhando por anos no jornal A Manhã, do qual seu pai era proprietário, e mais tarde no diário Crítica, também fundado por seu pai. Foi dentro da redação deste último que uma das grandes tragédias de sua vida aconteceria. A também escritora Sílvia Serafim, indignada com a matéria de capa do jornal a respeito de seu divórcio, invade a redação com o propósito de matar o editor Mário Rodrigues, pai de Nelson, e na ausência deste acaba matando seu irmão mais velho, o artista Roberto Rodrigues, que trabalhava como ilustrador para o jornal. Nelson Rodrigues tinha apenas 17 anos quando presenciou a cena.

Graciliano Ramos, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade são outros grandes nomes que passaram pelas páginas de jornais brasileiros, escrevendo sobre política, literatura e sociedade. Também Millôr Fernandes construiu toda a sua carreira dentro de jornais cariocas. Nas duas últimas décadas, a imprensa brasileira recebeu semanalmente contribuições de prosadores e poetas consagrados como Carlos Heitor Cony e Ferreira Gullar, e hoje as recebe de nomes da nova geração, como Antonio Prata, Fabrício Corsaletti, Victor da Rosa e Daniel Pellizzari.

Este texto, que inaugura meu blog na DW Brasil, me lança em meio a estes nomes. Me pareceu a melhor maneira de iniciar os trabalhos: lembrando-me dos colegas passados e presentes. Minha intenção aqui é comentar as literaturas brasileira e europeia em suas intersecções com seus respectivos contextos cultural e político.

Desejem-me sorte.

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