A recepção de Hilda Hilst em língua inglesa
Tem-se discutido muito a maior inserção da literatura brasileira no cenário internacional. Sabemos que, graças à bolsa de tradução de Biblioteca Nacional, traduziu-se mais nos últimos dois anos que nos 20 anteriores. Há outros fatores, e é muito difícil dizer com precisão o que é causa e consequência. Desde a estabilização da economia brasileira nos anos 90, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, até a ultrapassagem econômica que o Brasil logrou nos últimos anos nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, tornando-se uma economia maior que a francesa e a britânica, e ainda sua maior participação no panorama geopolítico talvez sejam todos fatores que tenham levado a uma maior atenção para o que se faz no país, seja em termos de literatura, seja nas artes visuais, no cinema ou na música. A verdade é que o Brasil já não é visto mais por lentes únicas, como foi por muitos anos no mundo através da literatura de Jorge Amado ou da música de Tom Jobim, representantes excelentes, de qualquer forma.
O grande Machado de Assis vem já há alguns anos angariando um status de autor cultuado, ganhando admiradores entre críticos como Susan Sontag e Harold Bloom, e Clarice Lispector teve uma recepção quase febril nos Estados Unidos após a publicação da biografia de Benjamin Moser e a edição de novas traduções para romances como A hora da estrela, A paixão segundo GH e Perto do coração selvagem. Clarice tornou-se a primeira autora brasileira a aparecer na coleção de clássicos modernos da prestigiosa editora britânica Penguin, e está também sendo reeditada na Alemanha. Ela é hoje um nome conhecido, uma estação comum para as leituras da escrita do século XX. Há pouco tempo, em entrevista sobre seu novo romance The Green Girl, a escritora norte-americana Kate Zambreno mencionou A hora da estrela como referência importante para seu trabalho. É um fenômeno novo: a literatura brasileira não apenas como campo de conhecimento especializado de exotismos, mas referência internacional. O autor conhecido primeiramente por seu trabalho, não por sua nacionalidade. Em breve, a nova tradução de Richard Zenith para poemas de Carlos Drummond de Andrade chegará à mesma Penguin, e o brasileiro talvez possa assumir seu lugar merecido não apenas como grande poeta brasileiro, mas como grande nome internacional da poesia do século XX.
Mas confesso que poucas coisas me alegraram tanto este ano quanto o início da recepção da autora paulista Hilda Hilst (1930 – 2004) em língua inglesa. A tradução de Nathanaël (Nathalie Stephens) e Rachel Gontijo de Araújo para o romance A obscena senhora D (1982), publicado pela editora norte-americana Nightboat Books sob o título The Obscene Madame D, tem ganhado leitores fascinados para a grande Hilda. A mesma editora, em colaboração com a brasileira A Bolha, lançou também Cartas de um sedutor (1991) como Letters from a Seducer, em tradução de John Keene, e Adam Morris traduziu Com meus olhos de cão (1986) como With My Dog-Eyes. Em breve, os americanos terão ainda a tradução de Alex Forman para o livro de estreia de Hilst na prosa, Fluxo-Floema (1970). Tudo isso neste ano de 2014.
Ainda que Hilda Hilst seja hoje considerada, por muitos, como uma das mais importantes escritoras do pós-Guerra no Brasil, sabemos que sua obra viveu em ostracismo durante cinco décadas, editada corajosamente por Massao Ohno e mesmo que recebendo a atenção de alguns poucos críticos, como Sérgio Buarque de Hollanda e Leo Gilson Ribeiro. Teria sido muito bonito se Hilda tivesse vivido para ver isso, mas antes tarde do que nunca, e rezo ao “cubo de gelo ancorado no riso”, como ela chamava Deus, que isto seja apenas o começo.