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As fronteiras abstratas e reais da Europa

Meus amigos alemães ou europeus em geral, quando começam a conversar sobre a situação dos refugiados e outros imigrantes não-europeus no continente, sempre gostam de dizer como são abstratas as fronteiras. Apenas linhas num mapa, nem sempre seguindo o curso de um rio, ou de um vale, invisíveis geograficamente. Entendia o que queriam dizer e até achava isso bonito. São coisas criadas pelo homem na maior parte dos casos. Seguem desdobramentos históricos que não respeitam línguas, culturas, elos de costumes. Basta pensar, por exemplo, nas tragédias que se desenrolam no Mediterrâneo. Quanto mais leio sobre as culturas às margens daquele mar, mais se torna mais difícil separar em continentes distintos aqueles países salgados. Pela história que conhecemos, o Mediterrâneo serviu muito menos como fronteira do que como ponte para as culturas milenares que ali se desenvolveram. O domínio romano se dá após aprender com os avanços náuticos dos cartagineses. Os gregos se deixam inspirar pelos egípcios. E assim por diante. O Mediterrâneo e suas margens deveriam ser vistos como um continente em si.

Mas não podemos ignorar as fronteiras tal como funcionam hoje. Nos últimos tempos, comecei a perceber que para certos europeus mais jovens é realmente difícil compreender que, apesar de abstratas neste sentido geográfico, fronteiras são reais, obstáculos verdadeiros para a maior parte das pessoas deste mundo. Viajei muito no ano passado, quando a crise migratória se intensificou. Jamais fui obrigado a mostrar tantas vezes meu passaporte ao cruzar fronteiras entre países no continente quanto nesse período. Ônibus parados entre Holanda e Alemanha, e novamente entre esta e a Áustria, ou policiais exigindo os passaportes de todos os passageiros em trens, mesmo entre países que firmaram o Acordo de Schengen. Minha experiência mais estranha foi há duas semanas, quando tentei cruzar o Canal da Mancha de barco, da França à Inglaterra, justamente em Callais. O que antes fora apenas um porto, como outro qualquer, hoje está cercado por inúmeras cercas de arame farpado. É uma cena de calamidades, que remete a um filme distópico como ‘Children of Men’ (2006), de Alfonso Cuarón. Apenas alguns dias antes da minha passagem, a chamada “selva de Callais”, com centenas de refugiados, havia sido forçosamente evacuada pela polícia francesa. Amigos que fazem a viagem com frequência relataram imagens assustadoras desde o início da catástrofe humanitária que vem se desenrolando entre África, Oriente Médio e Europa.

Os amigos europeus na casa dos 20 ou 30 anos, viajando apenas com suas identidades muitas vezes, sem sequer precisar de passaporte, entrando em países de outros continentes, realmente têm dificuldade em compreender como é difícil mover-se no mundo. Nunca precisaram ir ao Departamento de Estrangeiros. Vejam bem, não estou querendo começar uma polêmica entre os leitores desta página em relação à política migratória alemã.  Não queria que esse texto (ou apenas sua chamada) fosse apenas a desculpa para brigas em caixas de comentário. Esse texto gostaria mais de chamar a atenção para nossos conceitos de fronteira, e sugerir que antes que comecemos discussões a respeito, possamos compreender o verdadeiro impacto delas nas vidas das pessoas. Que só comecemos certas conversas quando estamos bem informados ao menos sobre como estas fronteiras foram formadas historicamente. Com nossa cultura de atualizações a cada 5 minutos, vamos perdendo cada vez mais nossa noção e orientação histórica. Mesmo as discussões sobre a crise migratória parecem tratá-la apenas em termos de curto prazo, quer-se apenas esconder o problema, ou jogá-lo no colo de outros. Não se compreende sequer seu motivo. Seus motivos. Não apenas a guerra, mas o fato de que as mudanças climáticas causadas por todos nós já começam a atingir várias regiões do planeta, com secas terríveis nunca antes vistas. E isso, nos próximos anos, só deverá piorar.

Data

sexta-feira 10.03.2017 | 12:41

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