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As portas da Cosac Naify

Acordei esta manhã em Berlim com a notícia de que a editora paulistana Cosac Naify, uma das mais importantes, conhecidas e conceituadas casas editoriais do Brasil, fechará as portas. Vários leitores e escritores já começaram a se manifestar nas redes sociais, entre a tristeza sincera e a irônica, alguns traçando análises e paralelos entre este anúncio e a atual situação econômica e cultural do país.

É tentador. Mas, no impacto inicial da notícia, vou tentar resistir a esta tentação. Além disso, por minha história pessoal como escritor estar ligada à editora, é ainda mais difícil ser objetivo neste momento. Meus segundo e terceiro livros, a cadela sem Logos [Cosac Naify, 2007] e Sons: Arranjo: Garganta [Cosac Naify, 2009], foram publicados pela Cosac Naify em sua parceria com a editora 7Letras, na coleção „Ás de Colete“ dirigida por Carlito Azevedo, que lançou ainda volumes com os poemas reunidos de Orides Fontela, Chacal, Marcos Siscar e Felipe Nepomuceno; a primeira antologia de Adília Lopes no Brasil; e livros individuais de outros poetas contemporâneos como Angélica Freitas, Marília Garcia, Fabiano Calixto e Tarso de Melo. Entre os estrangeiros, poetas franceses como Michel Deguy e Nathalie Quintane.

Screen Shot 2015-12-01 at 13.41.08Há volumes da Cosac Naify que carrego comigo, os releio, como dois da excelente coleção „Ensainho“: A Geração que Esbanjou seus Poetas [Cosac Naify, 2006], de Roman Jakobson (em tradução de Sonia Regina Martins Gonçalves), e Performance, recepção, leitura [Cosac Naify, 2007]), de Paul Zumthor, em tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. Na pilha de livros por ler, está A Revolta da Vacina [Cosac Naify, 2010], de Nicolau Sevcenko, que eu trouxe do Brasil em minha última visita a São Paulo, quando passei pela editora para aproveitar meu desconto de autor, trazendo ainda a linda edição pioneira dos Poemas [Cosac Naify, 2015] de Pier Paolo Pasolini, em tradução de Maurício Santana Dias. Mas só pude comprar estes livros por ter o desconto de autor.

Aqui entramos numa questão importante sobre a trajetória da editora. Com um trabalho editorial que está sendo chamado agora pela imprensa, justamente, de sofisticado, o que realmente sempre foi, seus livros são bastante caros, muitos deles destinados a um público especilizado ou interessado em artes visuais. Com papel importado, designs difíceis e caros de imprimir, alguns de seus livros são completamente inacessíveis para um público amplo no país. Cada vez que olho, sobre a mesa, a edição monumental de O Outono da Idade Média [Cosac Naify, 2010] de Johan Huizinga, em tradução de Francis Petra Janssen, sinto-me um pouquinho mais rico. Não tivesse sido, é claro, presente de um amigo mais abastado.

Em sua entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo [„Referência no mercado por livros de arte de luxo, Cosac Naify fecha as portas”, Estadão, 01.12.2015], o editor e dono da casa, Charles Cosac, disse não querer desvirtuar o projeto da editora, passando a simplesmente “recauchutar” clássicos que estão no domínio público. Esta estratégia tem sido justamente a que mantém várias casas editoriais importantes no país. Basta ver o sucesso das edições de clássicos russos pela Editora 34, não apenas “recauchutando” um autor como Dostoiévski, mas trazendo novas traduções e, além disso, dando de forma pioneira ao país o trabalho do excelente Chalámov.

Mas esta é uma discussão longa e complicada. Os direitos de Charles Cosac e Michael Naify em dirigir ou encerrar suas atividades como bem entendem é inquestionável. Com mais de 1,5 mil títulos, devemos ser gratos à editora, em especial a Augusto Massi, que a capitaneou por tantos anos, por termos hoje traduções e edições de autores tão importantes, acessíveis em bibliotecas públicas grandes. Suas edições das obras de Claude Lévi-Strauss, Mário Pedrosa, Paulo Emílio Salles Gomes, de poetas como Murilo Mendes e Jorge de Lima, sua excelente coleção “Mulheres Modernistas” em nosso país machista, com livros de Karen Blixen, Virginia Woolf, Gertrude Stein, Katherine Mainsfield, Natalia Ginzburg e Marguerite Duras, além de tantos outros, seguem no nosso território, tanto físico como mental.

Data

terça-feira 01.12.2015 | 10:20

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