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A importância de tradutores estrangeiros para um país

Quando penso na importância que uma única pessoa capaz e interessada na literatura brasileira pode fazer e, em muitos casos, já fez pela divulgação de nossos escritores em outros países, chego a ter vertigem com as possibilidades se houvesse maior compreensão e apoio por parte do governo para estes artistas da linguagem, os tradutores. A bolsa de tradução da Biblioteca Nacional é sem dúvida uma das melhores notícias que a literatura brasileira teve na última década, mas ela é mais pensada para as editoras que para os tradutores. Há outros programas, mas seria importante expandí-los, incentivar a vinda ao Brasil de jovens tradutores, assim como daqueles que já vêm desenvolvendo excelentes trabalhos tradutórios.

Aqui na Alemanha, já não está mais apenas nas mãos de uma única pessoa a recepção germânica de brasileiros, como há algumas décadas estava com o dínamo Curt Meyer-Clason, que traduziu João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, entre tantos outros. Os brasileiros hoje, na Alemanha, estão em boas e várias mãos. Aquele que parece ter tomado de Meyer-Clason a tocha é Berthold Zilly, que traduziu autores difíceis como Machado de Assis (Memorial de Aires), Euclides da Cunha (Os Sertões) e Raduan Nassar (Lavoura Arcaica), e dedica-se no momento à tradução da obra-prima de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.

euclides da cunha alemão

A editora Schöffling & Co. está relançando em alemão toda a obra de Clarice Lispector, tendo começado a empreitada com Perto do Coração Selvagem, O Lustre e a biografia de Benjamin Moser. Karin von Schweder-Schreiner tem se dedicado ao trabalho de Bernardo Carvalho e a novas traduções de Jorge Amado, com os relançamentos da editora S. Fischer Verlag incentivados pelo centenário do autor, que foi entre os anos 40 e 80 o brasileiro mais lido por aqui. Michael Kegler vem traduzindo autores diversos como Moacyr Scliar e Luiz Ruffato, além do angolano José Eduardo Agualusa, hoje residente no Rio de Janeiro. Maria Hummitzsch traduziu autoras como Beatriz Bracher e Carola Saavedra. Niki Graça traduziu, entre outros trabalhos, a correspondência entre Olga Benário e Luiz Carlos Prestes.

Quanto à poesia, ela parece estar hoje nas mãos de uma pessoa: Odile Kennel. A poeta e romancista já verteu para o alemão livros de Angélica Freitas e Érica Zíngano, assim como poemas esparsos de Carlito Azevedo, Arnaldo Antunes e Douglas Diegues. Para o próximo ano, seu projeto é uma ótima notícia: a primeira antologia de Hilda Hilst em alemão. É importante mencionarmos também Timo Berger, tradutor de Laura Erber e co-organizador do Festival de Poesia Latino-Americana, que já trouxe a Berlim poetas como Chacal e Carlito Azevedo.

Nos Estados Unidos, tivemos em Benjamin Moser um exemplo do que a paixão de uma pessoa por um autor brasileiro pode fazer com sua recepção em um país. Graças ao americano, Clarice Lispector tornou-se hoje um nome amplamente conhecido entre os leitores norte-americanos, assim como incontornável para uma discussão da literatura estrangeira do século 20 naquele país. Desde então, o interesse pelo Brasil nos Estados Unidos já levou à tradução para o inglês do grande romance de Hilda Hilst, A Obscena Senhora D., por Nathanaël e Rachel Gontijo Araújo. O professor Gregory Rabassa dedicou-se a verter para o inglês os grandes romances de Machado de Assis, como Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1890), que levaram nosso grande mestre a se tornar autor favorito de intelectuais tão diferentes entre si como Susan Sontag, Woody Allen e Harold Bloom. A poesia brasileira nos Estados Unidos, por sua vez, encontrou em Chris Daniels e Charles A. Perrone tradutores dedicados.

hilda hilst english

Em países de língua espanhola, temos contado com alguns milagreiros  individuais. Na Espanha, hoje, um deles tem sido Aníbal Cristobo. Com sua editora Kriller71 Ediciones, vem lançando poetas brasileiros como Paulo Leminski e Marcos Siscar ao lado de importantes autores estrangeiros como o norte-americano Charles Bernstein e o canadense Robert Bringhurst. Se a Espanha é um dos países que mais traduz na Europa, e é sempre possível encontrar em suas melhores livrarias os romances de Machado de Assis e Clarice Lispector, é importantíssimo o trabalho que Aníbal Cristobo vem desenvolvendo para o diálogo entre hispânicos e luso-brasileiros contemporâneos.

Na Argentina, contamos com os esforços de Cristian De Nápoli, que no volume Terriblemente Felices – Nueva Narrativa Brasileña, traduziu contos de autores como Sérgio Sant’Anna, Marcelino Freire, Jorge Mautner, Marçal Aquino, Milton Hatoum, Nelson de Oliveira e João Gilberto Noll, entre outros, e ainda, para o importante Diário de Poesía de Buenos Aires, preparou um dossiê sobre a poesia brasileira contemporânea com textos de Ricardo Aleixo, Carlito Azevedo, Marcos Siscar, Joca Reiners Terron, Marília Garcia e Juliana Krapp, entre outros. Sua seleção e tradução de poemas de Vinícius de Moraes foi premiada na Argentina e o poeta trabalha hoje em sua tradução de Nelson Rodrigues.

Por fim, não poderia deixar de mencionar a poeta e tradutora mexicana Paula Abramo, que traduziu para o espanhol, além do Poema Sujo de Ferreira Gullar, também o fenomenal romance de Raul Pompeia, O Ateneu, lançado pela prestigiosa editora da UNAM. Abramo tem dedicado uma atenção especial a este grande autor brasileiro, por quem também nutro admiração confessa e intensa, traduzindo ainda textos de Pompeia para a imprensa brasileira do século 19 e divulgando seu trabalho entre latino-americanos.

São alguns exemplos de indivíduos apaixonados por autores brasileiros, que têm feito contribuições excelentes à divulgação de nossa literatura no exterior. Está longe, muito longe de ser uma listagem completa destes santos milagreiros. Concentrei-me neste texto em algumas línguas que domino, cujas cenas literárias acompanho e posso, portanto, conhecer um pouco melhor. Mas um texto futuro deveria certamente cuidar, por exemplo, do trabalho de Marcia Schuback na Suécia, de Bart Vonck nos Países Baixos, ou de Jacques Donguy e Patrick Quillier na França, certamente entre outros, em países mais distantes.

Data

terça-feira 19.08.2014 | 08:45

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