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Sobre a indicação do cientista político Moniz Bandeira ao Nobel

Foi divulgado o nome do cientista político, historiador, diplomata e poeta Moniz Bandeira como a indicação da União Brasileira de Escritores (UBE) ao Nobel 2015. O escritor, nascido em 1935 em Salvador, estreou com o livro de poemas Verticais (1956), mas é conhecido nos círculos acadêmicos e diplomáticos por livros como O 24 de Agosto de Jânio Quadros (1961), O Governo João Goulart – As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964 (1977) e Brasil, Argentina e Estados Unidos: Da Tríplice Aliança ao Mercosul (2003), entre vários outros sobre a história do Brasil e seus governos. Sua última publicação como poeta deu-se no volume Poética (2009). Membro de uma família tradicional do Brasil e de Portugal, é descendente de Gárcia D’Ávila, sobre o qual escreveu em O Feudo – A Casa da Torre de Garcia d’Ávila (Da conquista dos sertões à independência do Brasil), publicado no ano 2000. Garcia d’Ávila foi filho de Tomé de Sousa (1503-1579) e “fundador do maior latifúndio das Américas, a Casa da Torre.” Moniz Bandeira escreveu ainda para jornais como Correio da Manhã e Diário de Notícias e hoje vive em Heidelberg, na Alemanha, onde é cônsul honorário do Brasil.

A notícia causou estranhamento e irritação entre escritores, que se voltaram para as redes sociais para satirizar a escolha, da União Brasileira de Escritores, de um cientista político e historiador, ainda que poeta completamente desconhecido, para o maior prêmio literário do mundo, e que seria o primeiro galardoado a um autor do país. É preciso compreender o funcionamento do prêmio para colocar as coisas em suas devidas proporções. Concedido desde 1901 pela Academia Sueca, os escritores podem ser indicados por várias instituições, como Academias de Letras, governos e até mesmo editoras. Dessas indicações pode ou não sair o premiado de cada ano. Ou seja, a indicação por si nada mais vale que alimentar as apostas. Há vários autores hoje no mundo que, por terem sido indicados várias vezes, permanecem nas listas de especulações, como o romancista americano Philip Roth, o japonês Haruki Murakami e o poeta sírio Adonis.

Ao mesmo tempo, a Academia envia pedidos de sugestão, todos os anos, para membros da própria Academia, sociedades literárias, professores universitários, e mesmo escritores que já ganharam o prêmio. São muitas indicações de todo o mundo, e a academia analisa centenas delas antes de fechar uma possível lista de 20 candidatos por volta de abril, que se torna uma lista de cinco em maio. Até outubro, quando o prêmio é anunciado, os membros da Academia Sueca têm alguns meses para ler o maior número possível de livros destes cinco autores. Quando vem a votação, aquele que recebe a maioria dos votos ganha o prêmio.

A Academia Sueca tem 18 membros. Diz-se que seus membros falam, em conjunto, cerca de 13 línguas. Para os que não dominam a língua de um dos cinco indicados, traduções são usadas entre as já publicadas, ou feitas especialmente para os acadêmicos. É claro que escritores produzindo em línguas hegemônicas como as europeias, ou que já tenham sido traduzidos para o sueco ou outra língua majoritária, têm maiores chances. Já se questionou, por exemplo, o número de suecos premiados, em comparação com línguas faladas por mais pessoas, como o próprio português. O sueco é falado por cerca de 9 milhões de pessoas. Sete suecos já receberam o Nobel. O português, falado por cerca de 220 milhões de pessoas, teve apenas José Saramago entre os premiados.

Portanto, é preciso dar proporção a esta indicação da União Brasileira de Escritores. Ela, em si, não tem qualquer importância. É perfeitamente possível que a Academia Brasileira de Letras tenha enviado uma indicação, ou outro brasileiro o tenha feito, caso convidado. Assim como é possível que um brasileiro seja indicado por um das centenas de estrangeiros. A verdade é que esta indicação não é realmente uma notícia de grande importância, além do uso que a União Brasileira de Escritores fez dela para chamar a atenção para suas atividades e para um de seus associados, como a instituição se refere a seus membros.

Fundada em 1958, a União Brasileira de Escritores já teve “associados” e presidentes importantes para a cultura nacional, como Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido e  Sérgio Milliet, nos seus primórdios. Há décadas a instituição não tem grande contato com o que realmente está acontecendo na Literatura do país, dedicada a divulgar o trabalho de seus associados, em sua maioria um grupo de escritores desconhecidos em busca de legitimação. A descrição que a própria UBE faz de suas atividades é esclarecedora: “Tem como objetivos principais discutir políticas culturais que atendam os interesses dos associados e defender seus interesses em todas as manifestações literárias, em poesia e prosa.” Estamos, portanto, falando de uma associação que defende interesses de seus membros, o que nubla suas decisões sobre os escritores realmente importantes do país. Segundo artigo da Folha de S. Paulo [“Instituição brasileira indica Moniz Bandeira para o Nobel de Literatura”, 18/02/15], a Academia Sueca vem pedindo há alguns anos indicações da UBE, que teria indicado nos anos anteriores tanto Antonio Candido como Manoel de Barros. Não se trata aqui dos méritos como críticos e historiadores de Antonio Candido e Moniz Bandeira. Mas a escolha de Antonio Candido parece tão estapafúrdia quanto a de Moniz Bandeira.

Se é verdade que filósofos como Jean Paul Sartre e Henri Bergson já foram premiados, qual a probabilidade ou mesmo lucro para a literatura nacional que críticos ou cientistas políticos sejam premiados antes de romancistas ou poetas como Augusto de Campos, Ferreira Gullar, Leonardo Fróes ou Zulmira Ribeiro Tavares, para ficar entre autores que gerariam já sua quota de polêmica? Quanto à produção poética de Moniz Bandeira, parece-me um autor de sonetos fracos, com linguagem e poética datadas, e completamente ausente dos debates literários nacionais. A indicação da União Brasileira de Escritores, relevante apenas em suas devidas proporções, mostra-se, de qualquer forma, estapafúrdia e interesseira. Caso seja a única instituição nacional a fazer indicações, a irritação dos escritores brasileiros é legítima, assim como é questionável a postura da UBE.

Data

segunda-feira 02.03.2015 | 18:50

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