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Literatura desaparecida: 40 anos do Golpe Militar na Argentina

“Escribe mientras sea posible. Escribe cuando sea imposible. Ama el silencio.”
— Miguel Ángel Bustos, desaparecido em 1976

Há 40 anos, ocorria o Golpe Militar na Argentina, que deixaria ainda mais mortos e desaparecidos pelo continente latino-americano. No Brasil, estávamos no décimo-segundo ano da ditadura militar – aquela que alguns no país hoje ainda insistem em tratar com nostalgia. Aquelas imagens das Mães da Praça de Maio permanecem como alguns dos atos de coragem e desobediência civil exemplares em nosso continente.

epa03201923 Mothers of Plaza de Mayo Founding Line (Asociación Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora) members participate in a demonstration at the monument where the group met for the first time, in the event called by one of the three founders of the organization, Azucena Villaflor de Devincenti to commemorate the group's 35 anniversary in Buenos Aires, Argentina, 30 April 2012. Separated by ideological issues, although united by the same pain, Mothers of Plaza de Mayo remember the birth of the humanitarian group 35 years ago when they first met against dictatorship in Argentina for their missing children. EPA/RICARDO NUÑEZ

Mães da Praça de Maio

Há alguns dias, descobri o trabalho do fotógrafo argentino Gustavo Germano. Em sua série “Ausencias”, com uma estratégia ético-estética simples e eficiente em seu soco na boca de nosso estômago, o fotógrafo refaz fotos de amigos e famílias dos anos 1960 e 70, deixando vago o local onde seus entes queridos desaparecidos deveriam estar, não tivessem sido sequestrados por um regime assassino.

Sendo este um blog dedicado à literatura, gostaria de tomar o dia de hoje, no entanto, para chamar a atenção dos leitores a um outo projeto bastante comovente em nosso país vizinho, capitaneado pelo poeta e jurista Julián Axat, nascido em Buenos Aires naquele fatídico ano de 1976. Ele próprio filho de desaparecidos, tem se dedicado com afinco em manter viva a memória das milhares de vítimas da Junta Militar argentina. Em sua coleção “Detectives Salvajes”, que toma o título do romance de Roberto Bolaño (1953-2003), Axat vem publicando a literatura deixada por escritores que desapareceram pelas valas comuns, desertos e o oceano que banha nossa parte do mundo-cão.

A ditadura tocou vários escritores do país, como o grande Juan Gelman, que passou anos em busca da neta. Em 1995, quase uma década antes de poder finalmente abraçá-la, escreveu uma carta que começava assim: “Dentro de seis meses cumplirás 19 años. Habrás nacido algún día de octubre de 1976 en un campo de concentración.” É a história de tantas famílias latino-americanas.

Graças aos esforços de Julián Axat, pude descobrir dois jovens escritores que desapareceram na noite escura do continente: Miguel Ángel Bustos, desaparecido em 1976, e Carlos Aiub, desaparecido em 1977, o ano em que nasci. Abro este pequeno texto em homenagem a todos os desaparecidos e sobreviventes do país vizinho com uma citação de Bustos. Permitam-me encerrá-lo com alguns versos de Aiub, sussurrando que sim, alguns de nós nos lembramos e, ao mesmo tempo, NUNCA MAIS.

“temer el dolor como cuando siempre
la forma del dolor y de la muerte empezás
también a imaginarla y temés
temés también tu olvido
o algo así
el qué pensarán de vos
si te recordarán
si tu nombre bautizará algo o servirá para algo
temer el final que no te deje ver el final
la victoria viste
las cosas nuevas que buscás
el nuevo sueño chiquitín continuado
temer todo eso y entonces si temer la muerte
que se puede venir y no la deseás
y te aferrás a la vida con todo
porque querés vivir simplemente para ver
cuando al final la vida viva
el nuevo dolor lo pensás más tarde.”

(Carlos Aiub, desaparecido em 1977)

Data

quinta-feira 24.03.2016 | 12:38

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