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Caminhando do Berlim ao Berlimbo

O autor com uma folha do bordo em sua casa

O autor com uma folha do bordo em sua casa

Berlim são duas cidades. Um espaço geográfico que se divide em dois, que às vezes se anulam, às vezes se superpõem. Talvez sejam apenas dois espaços climáticos. A Terra gira devagar e faz Berlim despencar e o Berlimbo surgir. Ou talvez sejam como aquelas personagens do filme O Feitiço de Áquila (Ladyhawke, 1985), em que os dois apaixonados são condenados por um bispo malvado a se transformarem em lobo e falcão, ele em lobo durante a noite, ela em falcão durante o dia, para que nunca se encontrem. E eu sou o quê? O monge pobretão que os acompanha?

Ninguém se muda para Berlim por causa do Berlimbo. Não, acho que há pessoas que se mudam para Berlim por causa dos dois, mas subestimam o Berlimbo. Ah, todo mundo subestima o Berlimbo. Pergunte a seus amigos que visitaram a cidade na primavera/verão e aos que visitaram a cidade no outono/inverno. Àqueles que a visitaram nas duas temporadas, nas quatro estações. São a mesma cidade? Juro que não são. Mas não se trata apenas da mesma cidade em dois tipos de clima. Pense em Berlim na primavera e no verão! Ah, aquele primeiro dia em que os cafés põem de novo as mesas nas calçadas. Tiritam todos de frio do lado de fora, estão mais encaixotados em suas colchas e lãs e cachecóis do que uma ovelha esperando a tosa, mas lá estão, segurando com luvas as xícaras quentes de café, aproveitando os primeiros raios de sol que driblam as nuvens que foram inquilinas horrorosas por meses a fio no céu de cor-de-chumbo. Os parques lotam. Eventos são programados para o ar livre, ou ameaçam ficar vazios. Ninguém chega ao clube ou à igreja ou ao restaurante na hora, porque estavam perdidos no parque. E isso Berlim tem de sobra. Verde até não querer mais. Só, é claro, na primavera e verão.

Mas agora é já meio de novembro. Pleno outono. Olho pela janela ao escrever esse texto e a árvore do pátio já quase não tem sequer folhas amarelas. É um esqueleto de tronco só. E o que será essa árvore que convive comigo há três anos? É um bordo, um Ahorn (em alemão) ou maple (em inglês). É o último estágio de aprendizado de uma língua em um ambiente tão estrangeiro. Diferenciar o plátano do bordo. A tília da castanheira, e esta do carvalho. Bordo, plátano, tília, castanheira e carvalho são as árvores mais típicas das ruas de Berlim. E a maioria já não tem folhas a esta altura do ano. E não adianta que eu esteja em Berlim há quase 15 anos. Quando olho pela janela da cozinha ou do bonde às cinco da tarde e já está escuro como se fosse alta noite no Brasil, estremeço, me assusto, me recuso a acreditar. Não pode já ser noite às cinco da tarde! São CINCO da TARDE! Mas já é noite às cinco da tarde. São cinco da noite. É outono, arrastamo-nos para o inverno. E o problema não é o frio, mas a escuridão. Céu nublado eterno. Eu me pergunto se as crianças não desenham o céu também cinza, sempre cinza, nos jardins de infância.

Manuscrito de Goethe com folhas da nogueira-do-japão

Manuscrito de Goethe com folhas da nogueira-do-japão

E então começamos a sair mais à noite. Passamos o dia trancafiados, fugindo do frio. Mas ninguém aguenta muito tempo e sai, enche os bares, os clubes. Se acorda muito tarde no dia seguinte, nem vê direito o pouco de sol que escapa pelo filtro em cinza. Nos meus primeiros tempos em Berlim, passava por vezes dias sem uma réstia de luz solar. E aí entrava o Berlimbo. O Berlimbo do escuro. Não entendo por que a cidade jamais rendeu muita literatura noir. Mas, não rendeu mesmo? E aqueles expressionistas berlinenses, como o pintor George Grosz e o poeta Jakob van Hoddis?

Como passar este outono sem cair rápido demais no Berlimbo? Depois de passar duas horas pesquisando sobre as árvores de Berlim para nomear com certeza a que está no pátio do meu prédio, creio que irei visitar as árvores mais famosas da cidade. Como a velha faia na esquina da Sven-Hedin-Straße com Fürstenstraße em Zehlendorf. Ou a tília de 500 anos que se encontra em Alt-Kladow. O carvalho mais velho de Berlim está à entrada de uma casa na Waldstraße, 83, em Pankow. No Gutspark Britz em Neukölln, há a árvore-avenca (ou nogueira-do-japão) mais velha da cidade, a própria espécie é um fóssil vivo que já existia no tempo dos dinossauros. Sobre ela escreveu o velho Goethe, fóssil vivo também ele, e tomo dele uma estrofe do poema sobre a nogueira-do-japão para encerrar este texto sobre o Berlim-Berlimbo:

“Será ele só um ser vivo / Que em si mesmo se divide? / Ou dois que se designam / E nós os vemos indivisos?”(“Ist es Ein lebendig Wesen, / Das sich in sich selbst getrennt? / Sind es zwei, die sich erlesen, / Dass man sie als Eines kennt?”).

Data

quarta-feira 16.11.2016 | 16:51

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