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Nós, lusófonos mimados

“Vocês já imaginaram a desgraça que é escrever em português? Sometimes, I wonder. Quem é que sabe português nesse planeta, fora Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Macau?” – é de Paulo Leminski essa citação, de seu texto Arte in-útil, arte livre?, no qual também escreveu que “a gente já nasce numa língua periférica, escrever uma coisa em português e ficar calado mundialmente é mais ou menos a mesma coisa”.

Muitos escritores brasileiros recorrem a essa citação de Leminski. Eu mesmo já o fiz. Ao participar de qualquer leitura ao lado de escritores de língua inglesa, francesa ou alemã, vem à mente esta fala do poeta de Curitiba. No mesmo texto, ele reconhece que a marginalidade da língua portuguesa no mundo não é a mesma de línguas como o basco ou o catalão, e que esta periferia está ligada a condições históricas e econômicas. Uma língua tem a força do império que a fala. A primazia da língua inglesa no mundo literário advém da força imperial e imperialista do Reino Unido, primeiro, e dos Estados Unidos a partir da Segunda Guerra. Mas vocês já pararam para pensar nesta marginalidade das línguas basca e catalã, por exemplo, e da posição do português?

Recentemente, estive na Eslovênia para uma leitura, e foi interessante ler ao lado de Stanka Hrastelj, uma poeta eslovena, em seu país de 2 milhões de habitantes. É o número de habitantes de uma cidade de médio porte no Brasil. E a língua eslovena é falada apenas ali, na Eslovênia. Isso é solidão.

Estima-se que 250 milhões de pessoas falem português como língua materna no mundo. São cerca de 280 milhões com os que a falam como segunda língua. O português é a língua mais falada no hemisfério sul da Terra. É a quinta língua mais falada no mundo como um todo e a terceira mais falada no hemisfério ocidental. Como o próprio Leminski lembrou-se, somos também vários países de expressão lusófona. E, no entanto, mal nos lemos uns aos outros. Um poeta como Manuel António Pina, português, ganhador do Prêmio Camões em 2011, mal foi editado no Brasil. Quem conhece a moçambicana Noémia de Sousa?

O prestígio da língua inglesa é perpetuado por nós mesmos. Na semana passada, deparei-me com uma lista dos lançamentos de livros traduzidos previstos para 2017. Era praticamente um festival de autores europeus e americanos. Havia alguns poucos autores do Extremo Oriente, mas não pude identificar muitos autores de fora do âmbito cultural do Noroeste. Era um exemplo singular de eurocentrismo galopante. Basta que o New York Times noticie o espirro de um escritor em Nova York para que o espirro seja traduzido no Brasil, com tanta gente espirrando igualzinho entre o Oiapoque e o Chuí, ou na Baixa em Lisboa, ou no bairro de Ingombota em Luanda. Nós próprios nos isolamos dessa forma. É claro que o desejo de inserção no mundo literário global é legítimo. Mas a verdade é que não se quer realmente ser lido no mundo: quer-se ser lido em Manhattan. Nem Camden satisfaria. Sim, é uma alegria verdadeira ver a paixão recente dos norte-americanos por Clarice Lispector, por exemplo. Que alguns melhor informados estejam lendo Hilda Hilst por lá. Que Lúcio Cardoso tenha acabado de ser traduzido.

Mas aqui torna-se necessário pensar também no caráter imperialista da língua portuguesa, expressão de uma força colonial repressora. Afinal, assim como o inglês e o árabe, a língua portuguesa foi responsável pela morte de centenas de línguas, e mesmo as que resistem em nosso território continuam a morrer ignoradas.

Data

sexta-feira 02.12.2016 | 17:55

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O desacordo ortográfico

Sobre língua não se legisla. Quando isso ocorre, é sempre um ato de cima para baixo, ordens do topo da pirâmide para o povo na areia escaldante, e ocorre com frequência num contexto de dominação e incompreensão das diferenças que enriquecem nossa fala.

Um dos primeiros atos dessa natureza no Brasil foi o do Marquês de Pombal, que baniu em 1758 a língua geral paulista, derivada do tupi e que se falava em São Paulo, por exemplo, tornando a língua portuguesa obrigatória na colônia. O nheengatu é a única das línguas crioulas que sobreviveu, sendo falada ainda hoje no norte do país.

Não, este não é um texto de um Policarpo Quaresma, que gostaria de ver o tupi como língua oficial do país. Eu certamente teria gostado muito de ter crescido bilíngue, falando o português e o tupi ou uma das línguas crioulas derivadas deste, como a língua geral paulista ou o nheengatu. Como teria sido nossa relação com a terra e com os povos nativos que nos formaram se isso tivesse ocorrido? Talvez a pergunta de Oswald de Andrade siga válida: “Tupy or not tupy, that is the question.”

Estou certo de que muitos gostam de pensar que não há outros escritores que amem a língua portuguesa tanto quanto ele ou ela. Eu tenho um prazer imenso em falá-la. Quando faço leituras públicas dos meus textos, algumas pessoas já disseram que elas estranham a forma como leio, por articular demais as sílabas. Eu articulo mesmo. Gosto de cada som, de ir do alto ao baixo na língua – tanto neste conjunto de signos como com o órgão que escondo entre os dentes.

Na linda canção Língua, Caetano Veloso o diz bem: “Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões / Gosto de ser e de estar / E quero me dedicar a criar confusões de prosódia / E uma profusão de paródias / Que encurtem dores / E furtem cores como camaleões / Gosto do Pessoa na pessoa / Da rosa no Rosa / E sei que a poesia está para a prosa / Assim como o amor está para a amizade / E quem há de negar que esta lhe é superior? / E deixe os Portugais morrerem à míngua /’Minha pátria é minha língua’ / Fala, Mangueira! Fala!”

A relação do brasileiro com a língua portuguesa me parece bastante única dentro do contexto pós-colonial. Não sei como é isso em países como Angola e Moçambique, onde as guerras de independência ainda estão frescas na memória. Queria ouvir todos. Sim. Fala, Mangueira. Fala, Mooca. Mas falem conosco também, Alfama e Baixa. Falem conosco, Kikolo e Panguila. Precisamos de todos.

Meu primeiro contato com acordos ortográficos foi em volumes antigos de poetas como Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles – aquelas primeiras edições da Nova Aguilar de suas obras completas, em capa dura e papel-bíblia. Aquelas “flôres” e “fôrmas”, “seqüências” e “ungüentos”, assim mesmo, com tils e tremas. Lembro-me de, ainda criança, ter perguntado a um adulto, já não me lembro quem, por que não tínhamos K, Y e W na língua portuguesa. A explicação me pareceu bastante plausível: porque o C, o I e o V já cumpriam as mesmas funções fonográficas e não tínhamos um som específico para aquelas.

Precisamos realmente de outro acordo ortográfico, e os motivos para esse novo acordo são plausíveis? Algum leitor brasileiro algum dia teve problemas ao ler edições portuguesas de poetas como Fernando Pessoa e Mário Cesariny? E o que fazer com os poemas de Mário de Andrade, por exemplo? Pessoalmente, não acho que o acordo seja uma tragédia. Mas temo os problemas maiores neste campo mesmo da escrita, onde ainda há tanto racismo, ignorância e mentalidade colonialista. Parece-me simplesmente um desperdício de energia e recursos, uma demonstração de incompreensão da língua justamente por aqueles que querem legislar sobre ela.

Uma ortografia unificada não vai mudar nossas diferenças sintáticas e nossos vocabulários cheios de marcadores históricos – lembretes de quanto sangue e quanto sofrimento esta língua linda custou às colônias. E ainda assim a amamos. E quanto. Cheguei a ler que acreditam que este acordo unificando as línguas trará mais prestígio internacional a ela. Quanta baboseira, vendo a maneira como tratam a literatura em nossos países. Prestígio à língua portuguesa traz a reputação internacional de Fernando Pessoa. A febre que os livros de Clarice Lispector estão causando no mundo anglófono – mundo que, por sinal, não tem um acordo ortográfico unificando-o.

A briga sobre o mais recente acordo ortográfico vai continuar e, infelizmente, em muitos casos pelos piores motivos. Li textos a respeito que apenas pingavam de racismo velado e aquela velharia da mentalidade colonialista. Não precisamos de puristas, e vejo purismo por vezes tanto nos que defendem e atacam o novo acordo. Portugueses vão continuar não lendo brasileiros, brasileiros vão continuar não lendo moçambicanos, e assim por diante. Acreditar que um acordo ortográfico vá mudar isso ou que seja realmente um primeiro passo necessário mostra que continuamos sendo regidos por bacharéis.

Porque acordo ortográfico nenhum vai ajudar um leitor brasileiro a entender o que um poeta angolano quer dizer com “mulemba” ou um leitor português a entender o que um poeta brasileiro quer dizer com “macambira”, assim como eu próprio levei tempo para descobrir o que eram “osgas” nos poemas de Adília Lopes, e, ao descobrir, enriqueci minha lusofonia. Entretanto, é necessário ter acesso à língua comum, mas diferente.

Estes dias peguei-me perguntando o que Elomar Figueira Mello quer dizer com “futuca a tuia” em uma de suas canções. E que tristeza é abrir uma edição recente de Mensagem, de Fernando Pessoa, e ver que corrigiram sua ortografia propositalmente antiga! Enlouqueceram, bacharéis? Que baixaria. Vão querer me corrigir ao pedir “a bença” para a minha morta? Precisamos deixar de ignorãça, meu povo. Cadê, quedê ou onde é o encontro anual entre escritores lusófonos? Um ano em Lisboa, outro em Luanda, depois em Maputo, e no Rio de Janeiro, passando por Bissau e aquela capital de lindo nome, Praia.

Os esforços não seriam muito mais válidos para nos unir? Por que a tal comunidade não começa a publicar e distribuir gratuitamente volumes de poetas de cada país lusófono em cada um dos países lusófonos? Ou é tudo apenas para ajudar editoras a vender seus xaropes? Ora, sem saber o que exatamente quero dizer, mas confiando no poeta, conclamo os falantes da língua portuguesa: “futuca a tuia, pega o catadô, vâmu plantá feijão no pó.”

Data

quarta-feira 13.01.2016 | 13:05

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