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A tradição alemã dos Hörspiele

De passagem por Bamberg, na Baviera, na semana passada, onde me apresentei ao lado da autora alemã Nora Gomringer e do trio PLOT (Sebastian Wehle, Robert Lucaciu e Philipp Scholz) no festival literário “Bamberg liest” (Bamberg lê), conversava com ela sobre a peça radiofônica em que vem trabalhando. Foi quando me ocorreu que esta forte tradição alemã do século 20 não deixou uma tradição no Brasil, apesar de alguns exemplos de radionovelas na década de 1940. Nora vem trabalhando na peça por encomenda da Bund der Kriegsblinden Deutschlands, ou União dos Cegos da Guerra da Alemanha. A guerra, como discutirei a seguir, está intimamente ligada a este gênero literário-sonoro no país.

As primeiras peças radiofônicas foram ao ar em Nova York (O lobo, de Eugen Walter, em 3 de agosto de 1922) e em Londres (Perigo, de Richard Hughes, em janeiro de 1924). Na Alemanha, a primeira foi Magia na rádio (Zauberei auf dem Sender), de Hans Flesch, que foi ao ar no dia 24 de outubro de 1924 em uma rádio de Frankfurt do Meno. No ano seguinte, mais de 40 peças radiofônicas viriam a ser produzidas. Ainda que várias peças escritas para o teatro tenham ganhado produções radiofônicas, diversos autores essenciais do século 20, em língua alemã, viriam a escrever peças especialmente para rádio, como Bertolt Brecht e Ingeborg Bachmann. Um volume editado em 1962 pela editora alemã Piper, Dreizehn europäische Hörspiele (Treze peças radiofônicas europeias), traz textos de Richard Hughes, Dylan Thomas, Samuel Beckett, Jacques Constant, Eugene Ionesco, Bertolt Brecht, Günter Eich, Ilse Aichinger, Ingeborg Bachmann, Friedrich Dürrenmatt, Max Frisch, Alberto Perrini e Vasco Pratolini/Gian D. Giagni.

Para os homens que retornaram cegos da Primeira Guerra Mundial – e não foram poucos – devido à introdução de armas químicas como o gás mostarda, as peças radiofônicas seriam uma fonte de entretenimento e consolo. Peças radiofônicas para os ex-soldados mutilados do país que inventara as modernas armas químicas, a partir do trabalho do químico Fritz Haber (Prêmio Nobel em 1918), que seria declarado criminoso de guerra ao fim do conflito. Haber fora colega de Einstein, que ficaria horrorizado com tal uso da ciência, sendo um dos poucos a assinar o manifesto que organizou contra tais práticas.

produkt-3901No Brasil, houve as radionovelas. A primeira foi Em busca da felicidade,  transmitida através da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com início em 12 de julho de 1941. Obra mexicana de Leandro Blanco (a relação entre novelas mexicanas e o público brasileiro é antiga), ela teve adaptação de Gilberto Martins. Logo em seguida, veio a cubana O direito de nascer, que faria história no país. No entanto, nenhum dos grandes poetas ou dramaturgos brasileiros deixou obras especialmente escritas para o gênero, ainda que muitos textos de Nelson Rodrigues, por exemplo, viessem a ser adapatados para a rádio.

Com sua divisão, hoje, entre peças de caráter dramatúrgico e peças de arte acústica, não seria má ideia se poetas brasileiros contemporâneos se dedicassem a aventuras similares no país, seja para a rádio ou para podcasts na internet. Entre os autores germânicos contemporâneos que se dedicaram ao gênero, podemos mencionar Gerhard Rühm,  Christoph Schlingensief e ninguém menos que Elfriede Jelinek, Prêmio Nobel de Literatura de 2004.

Isso não quer dizer que não tenha havido casos e contribuições no Brasil. Dias Gomes, dramaturgo imortalizado por peças como O Pagador de Promessas (1960) e telenovelas como Roque Santeiro (1985/1986, com base em sua peça O Berço do Heroi, de 1965, proibida pelo Regime Militar), escreveu radionovelas, assim como Janete Clair, imortalizada por telenovelas como Selva de Pedra (1972). Mas, no Brasil, a tradição que temos, no sentido em que compreendo o termo, é esta, a das telenovelas. Outro dramaturgo que se dedicou a radionovelas, algo distinto das peças radiofônicas, foi Oduvaldo Vianna. No entanto, não creio ser possível afirmar que haja uma tradição da peça radiofônica no Brasil como na Alemanha e na Áustria, onde Elfriede Jelinek, e agora uma autora jovem como Nora Gomringer, se dedicam ao gênero, textos são publicados e passam a fazer parte considerável de suas obras literárias.

Data

quarta-feira 25.11.2015 | 12:28

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