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Um Andreazza é um Andreazza, ou a Direita Miojo

Há que se começar dando aos mensageiros aquele tradicional e exemplar tratamento em tempos de cidade sitiada. O jornalista Mateus Campos, de jornal O Globo, intitulou sua peça promocional para a editora Record da seguinte maneira: “Editor de nomes conservadores, Carlos Andreazza se firma como voz dissonante do mercado de livros” [O Globo, 31.07.2015]. Talvez seja apenas o hábito de escritores com alguma dose razoável de responsabilidade, o querer que as palavras realmente signifiquem algo. Uma postura desagradável para muitos nos dias de hoje. A que se deveria o uso do adjetivo dissonante, doado tão generosamente por nosso jornalista ao editor? Segundo as palavras do próprio Carlos Andreazza, “havia e há uma imensa demanda reprimida, culpa dos cerca de 50 anos em que a produção editorial brasileira excluiu os pensamentos liberal e conservador de suas prensas”, desta vez ao jornalista Rodolfo Borges, este mostrando-se mais capaz de exercer algum pensamento crítico sobre o que escreve, em seu artigo “A direita brasileira que saiu do armário não para de vender livros”.

Tenho apreço especial pelo adjetivo dissonante. Ele sempre me faz pensar em Federico García Lorca, o fuzilado pela direita espanhola (“pelos esbirros de Franco”, nas palavras de Theodor Adorno), a partir da ideia da “metáfora dissonante” em seu livro El Poeta en Nueva York (1927), como propôs o Grupo Noigandres. Mas a frase “voz dissonante” traz uma memória ainda mais forte: a de ter assistido, no ano 2000, pouco antes de deixar o Brasil, ao espetáculo Vozes Dissonantes, de Denise Stoklos. Nele, a dramaturga, encenadora e performer paranaense traz para o palco e para seu corpo a escrita de Gregório de Matos, do Euclides da Cunha de Os sertões (1902), de João Cabral de Melo Neto. Vozes dissonantes, naquele momento em que o Brasil era capitaneado pela versão perversa de “democratas sociais” que haviam tomado conta da política no Ocidente. A terceira via. O Consenso de Washington que alguns dos “pensadores” de Andreazza por certo gostariam de opor ao grande mal do Foro de São Paulo. Em um momento do espetáculo, Stoklos reencena e reencarna a morte da guerrilheira Iara Iavelberg (1944-1971), morta em um cerco dos agentes de segurança da Ditadura Militar em Salvador. A versão oficial é a de que Iavelberg se suicidou ao ver-se encurralada, escondida em um banheiro. Stoklos, ao fim decide dar-lhe um pouco mais de tempo, um pouco de mais tempo, antes de ser alvejada pelos agentes da subversão da Constituição, os esbirros do regime que instaurara no Brasil a pena de morte extra-oficial, a mesma que ainda paira sobre tantos cidadãos brasileiros nas mãos deste resquício macabro da Ditadura que é a Polícia Militar.

O leitor deste texto talvez esteja se exasperando, crendo que me perdi em digressões. Peço sua confiança por um parco tempo mais. “Dissonante” significa, sabemos, “adj. Que expressa ou ocasiona dissonância: melodia dissonante. Que não combina; desarmônico”, segundo o Houaiss. O Aurélio nos diz ainda “Que não soa bem. Que não fica bem; que não condiz; que destoa. Díssono, dissonoro”.

Já faz um tempo que a vacuidade da linguagem política nacional começou a extrair de nossas palavras qualquer significado tangente. O uso de um adjetivo como dissonante para descrever o (des)serviço de Carlos Andreazza ao pensamento político no país demonstra a vacuidade da linguagem do artigo que o promove, assim como da linguagem usada em sua entrevista pelo neto de Mário Andreazza, político da Ditadura, ou da linguagem de grande parte de seus autores de “pensamento” de direita. A palavra dissonante sofre aqui do mesmo esvaziamento das palavras “situação” e “oposição”, invólucros vazios. Por criticar o governo, seus autores são tomados como vozes dissonantes. É como se os envolvidos no artigo do O Globo jamais tivessem aberto o mesmo jornal nos últimos dez anos, ou se esquecido do tipo de governo que os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde editora Record está localizada, tiveram nos últimos vinte. Os ideais que grande parte da população destes estados possuem, sua atitude vingativa contra as camadas da população brasileira que veem como ameaçadoras, o eterno “silêncio sorridente de São Paulo” diante dos crimes de Estado, do Carandiru ao Pinheirinho.

Seria ocioso aqui tentar apontar para o próprio esvaziamento da palavra “pensamento” de direita na boca de Carlos Andreazza. O que o garoto do programa da direita hoje no país promove como “pensamento” está em livros do calibre intelectual de Esquerda caviar, da vacuidade mental que é Rodrigo Constantino, e Não é a mamãe, de Guilherme Fiuza. É a direita miojo. Basta aquecer um pouquinha nas mãozinhass suadas das viúvas da ditadura. Até mesmo Kim Kataguiri, o analfabeto político, já foi elencado para o time dos sonhos do “pensamento” de direita de Carlos Andreazza.

Terá sucesso, como já demonstram seus números de venda. Para os atentos, palavras como “dissonante” e “pensamento”, ligados ao seu trabalho editorial, continuarão causando o estranhamento devido. Ambiciosa empreitada a sua, como a Transamazônica. Prevejo que terá o mesmo sucesso, não sem antes causar estragos.

Data

sexta-feira 14.08.2015 | 05:07

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