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Alemães e estrangeiros na cena literária berlinense

Todo mundo conhece o papel que Paris teve nas vanguardas artísticas do entreguerras. As imagens de Picasso, Chagall, Hemingway e Buñuel pela cidade. Quem leu A Autobiografia de Alice B. Toklas (recomendo muito!), da também exilada Gertrude Stein, se divertiu com as histórias destes artistas na casa dos 20 e 30 anos, embebedando-se, brigando, roubando namoradas uns dos outros, tendo perrengues por questões de reputação e fama. A história oficial diz então que este centro mudou-se para Nova York depois da guerra, a nova capital internacional das artes.

Adeus a BerlimO papel de Berlim na história é menos conhecido. Nos metrôs da capital alemã é fácil ver turistas lendo Goodbye to Berlin, de Christopher Isherwood, que ficou popular depois do filme de Bob Fosse, Cabaret (1972), com Liza Minnelli no papel de Sally Bowles – a americana que ganhava a vida nos cabarés da República de Weimar quando os nazistas tomaram o poder. Um livro quase oficial dos expatriados em Berlim. Já os poemas de seu amigo W.H. Auden escritos em Berlim são menos conhecidos, assim como a comunidade de russos que se exilaram lá após a Revolução de 1917, entre eles Marina Tsvetáieva, Vladimir Nabokov e Nina Berberova. Um de seus retratos mais interessantes está no livro Zoo, ou cartas não sobre amor (1922), de Victor Chklóvski, escrito em Berlim.

É que o papel da capital alemã é mais apimentado. Isherwood e Auden não escondiam que vieram a Berlim em busca da liberdade sexual que não encontravam na Inglaterra. Sua biografia berlinense está marcada por visitas a inferninhos gays em Schöneberg, ainda hoje o centro da cena gay mais hardcore da cidade. Berlim atrai um outro tipo de pessoa. E isso não mudou muito. Os escritores vêm em busca de amor/libertinagem, aluguéis baratos e a possibilidade de escrever em tempo integral, algo impossível em outras cidades. E é vibrante a cena internacional em Berlim. Perambulam hoje pela cidade o irlandês John Holten, o inglês Sean Bonney, o sírio Abud Said (que terá em breve livro lançado no Brasil pela Editora 34), o nigeriano Michael Salu, ou o dissidente chinês Yang Lian, a brasileira Érica Zíngano, a sueca Cia Rinne, para mencionar alguns dos mais conhecidos.

É preciso falar, no entanto, sobre algo que me incomoda: a falta de diálogo entre as cenas de língua alemã e de línguas estrangeiras em Berlim. Por falar alemão, frequento leituras das duas comunidades. Mas não sou um caso comum. Em geral, os autores alemães frequentam os alemães, os estrangeiros dão atenção aos estrangeiros. A barreira óbvia é a língua. Enquanto artistas visuais não dependem, na maioria dos casos, de tradução, a língua é o material do escritor. Há exceções, é claro. Mas em minha opinião falta diálogo e interesse, muitas vezes, por parte dos escritores alemães, pelo que estão fazendo os escritores estrangeiros da cidade. Não é só a língua que se torna uma barreira. Línguas estão fincadas em tradições diferentes. Usando tanto da ironia e do sarcasmo, evitando o lirismo, os poetas alemães estranham e rejeitam o lirismo e a performatividade de tradições mais ao sul, tanto latino-americanas como africanas.

Mas há mudanças no ar. Editoras berlinenses como a Verlagshaus Berlin e a Kookbooks vêm publicando cada vez mais estrangeiros residentes em Berlim, em excelentes traduções. Minha esperança é que estas traduções sirvam de pontes sobre as barreiras das línguas, e as comunidades literárias berlinenses, em alemão e outras línguas, percebam e usufruam melhor as possibilidades de diálogo internacional na cidade. Especialmente neste momento de incompreensão de uma parcela da população alemã sobre o que podem trazer imigrantes à cultura local.

Data

sexta-feira 20.05.2016 | 11:03

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