Berlim: cidade de festivais (no momento, o de poesia)
O festival mais conhecido de Berlim é sem dúvida o de cinema, a Berlinale, tradicionalmente em fevereiro. Mal o ano começa e o burburinho sobre cineastas, filmes, atores e atrizes se inicia. Quem vai presidir o festival este ano? Quem vai ser visto em tal restaurante? Se me permitem um aparte logo no início do texto, há algo de irritante aí. Berlim costumava ser um refúgio dessa loucura por celebridades, ricos e famosos. As coisas mudaram. Mas talvez haja nisso um desejo legítimo de estar menos isolada.
Situada no Centro da Europa em termos geográficos, Berlim (assim como Viena) tem um caráter forte de portão entre Leste e Oeste, e por vezes sinto uma neurose em colocar-se o mais a-oeste possível. Enfim, o Festival de Cinema de Berlim abre a série de tentativas genuínas da cidade, eu diria, de informar-se e formar-se com influências externas. Na história do festival, apenas dois filmes brasileiros venceram: Central do Brasil (em 1998), de Walter Salles; e Tropa de elite (em 2008), de José Padilha. Ambos não são exatamente unanimidade crítica no país.
Outro festival internacional importante é o de literatura, que ocorre geralmente em setembro. Os seguintes autores internacionais, entre outros, estiveram em Berlim no ano passado: Horacio Castellanos Moya (El Salvador), Michael Cunningham (EUA), Xiaolu Guo (China), Kazuo Ishiguro (Japão), Drago Jančar (Eslovênia), Javier Marías (Espanha), Laura Restrepo (Colômbia), Salman Rushdie (Índia), Wole Soyinka (Nigéria), Eugeniusz Tkaczyszyn-Dycki (Polônia) e Banana Yoshimoto (Japão). Sendo um festival de literatura, sem estrelas de Hollywood, o burburinho é menor, mas a presença de prêmios Nobel causa o seu frisson ao menos nos cadernos culturais.
Na dança, algo forte em Berlim, há o Tanztage e o Tanz im August, ambos importantes. Mas, por questões pessoais, o festival que comanda minha atenção todos os anos acaba sendo o Poesiefestival Berlin, ou Festival de Poesia de Berlim, que está acontecendo neste momento. Este ano, de 3 a 11 de junho, na Akademie der Künste, passaram ou passarão pelos palcos e microfones poetas importantes como Luis Felipe Fabre (México), Caroline Bergvall (França, Noruega), Rasha Omran (Síria), Souleymane Diamanka (Senegal), Charles Simic (EUA), Niyi Osundare (Nigéria), Mamta Sagar (Índia), e outros.
Trata-se de um festival atento às questões políticas do momento, e o foco deste ano tem sido a crise migratória. Foi neste aspecto que o festival acabou por me doar a grande descoberta deste ano: o trabalho do poeta palestino Ghayath Almadhoun, nascido em 1979, num campo de refugiados na Síria, e agora, duplamente refugiado, vivendo na Suécia. Com um trabalho vocal e textual que lembra fortemente o de Mahmoud Darwish (1941–2008), Ghayath Almadhoun nos leva a rever nossas ideias preconcebidas sobre os refugiados da Guerra Civil Síria, como o faz em Berlim o sírio Abud Said, que tem livro lançado no Brasil este mês e que já discuti aqui.
Encerro este texto com minha descoberta, e convido vocês a verem o vídeo The celebration, de Ghayath Almadhoun, com tradução para o inglês, e que traz uma Berlim de não muito tempo atrás em suas imagens.