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Alemães no Brasil, hoje

No Brasil, tende-se a ler os alemães mais noturnos, de uma veia mais mística, como Novalis, Hölderlin e Rilke [“Autores alemães e sua influência no Brasil“, DW Brasil, ‘Contra a Capa’, 10.07.2014]. O grande romancista de língua alemã conhecido no Brasil é Thomas Mann, e talvez A Montanha Mágica (1924) siga sendo para leitores brasileiros o grande romance modernista alemão. Thomas Mann fez parte de um Modernismo Internacional que se entregou a uma escrita alegórica, muito marcada tecnicamente ainda pela prosa do século XIX. Isso desaguaria na escrita do outro autor alemão conhecido no Brasil, Günter Grass – também ele todo alegórico.

Mas existem outros lados e outras alas da escrita alemã. André Vallias fez-nos uma contribuição inestimável ao traduzir Heinrich Heine para o português da forma como o fez. Gosto de pensar em Heine como um dos patronos desta ala da literatura em língua alemã, a mais terrena, com os pés no chão – e menos entregues a alegorias.

berlin-alexanderplatzEm 2009, a Martins Fontes lançou no Brasil uma nova tradução do outro grande romance modernista alemão: Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred Döblin. Juntos, o romance de Mann e o de Döblin mostram, com técnicas distintas, o desastre que se avizinhava após a Primeira Guerra Mundial. Berlin Alexanderplatz é, para muitos, um romance mais moderno em sua escrita, e, assim como Mann desaguaria em Grass, creio que Döblin desagua em outros autores, desconhecidos no Brasil, como Wolfgang Koeppen e seu Tauben im Gras (Pombas na grama, 1951), que também usa uma técnica de montagem em sua escrita.

Döblin poderia ser chamado do primeiro autor da „literatura dos escombros“, já no entreguerras, antes desta expressão surgir para designar autores do pós-guerra como os prosadores Alfred Andersch e Heinrich Böll ou o poeta Günter Eich. Deste grupo da “literatura dos escombros”, um dos autores mais respeitados na Alemanha hoje é Arno Schmidt, que ainda aguarda uma recepção maior no Brasil.

Mas se há algo que me alegra é o fato de W. G. Sebald já ter sido amplamente traduzido no Brasil e ter encontrado eco entre autores contemporâneos nossos, como Victor Heringer, que escreveu uma série de comentários sobre o romance Austerlitz (2001). Sei que pareço obcecado com Sebald, mas seu caso é exemplar demais em todos os sentidos, e a recepção de sua obra continua me chocando: ainda razoavelmente obscuro em seu próprio país, talvez seja hoje, justamente, o autor alemão mais reconhecido fora da Alemanha. A Companhia das Letras lançou vários volumes, como Os anéis de Saturno, Austerlitz, Os emigrantes, Vertigem e Guerra aérea e Literatura.

SebaldEste último livro talvez explique a “obscuridade” de Sebald na Alemanha. Pois é possível que não se trate de desconhecimento de sua obra, mas do incômodo que ela traz a uma Alemanha que gostaria de acreditar já ter exorcizado os demônios do passado. Sebald enfia o dedo na ferida. Como é descrito o ensaio na página da Companhia das Letras, o autor trata de um “recalque do trauma nazista, com os sentimentos de culpa e humilhação durante o período de frenética reconstrução material do país que ficara em ruínas depois da guerra. Completa o volume um estudo sobre o escritor alemão Alfred Andersch, tomado por Sebald como caso exemplar do intelectual que teria se preocupado mais em reescrever o seu passado e retocar a sua imagem moral do que descrever o que de fato ocorreu durante o Terceiro Reich.”

Essas acusações retornam no trabalho, por exemplo, de um jovem poeta como o berlinense Max Czollek, também judeu como Sebald, que escreve hoje a partir de uma caça a demônios que seguem se escondendo sob os tapetes do país.

Quando se pensa no tom distinto das literaturas alemã e austríaca no pós-guerra, é necessário lembrar-se dos destinos diferentes dos dois países após 1945. A Alemanha estava em ruínas, e passava pelo processo de desnazificação, a fórceps, de suas instituições. A Áustria que, segundo autores como Thomas Bernhard, havia confortavelmente se colocado ao lado das “vítimas do nazismo”, apesar de seu passado colaboracionista, atrairia maior ira de seus escritores, como o próprio Bernhard, ou mais jovens, como Peter Handke. Isso tudo é muito importante para compreender um período de convulsões na Alemanha como os anos 1960/1970, com grupos como a Facção do Exército Vermelho em atividade.

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“Cena de ‘Deutschland im Herbst’: Fassbinder discute com sua mãe sobre a Facção do Exército Vermelho”

Sobre algumas das consequências do que escreve Sebald, recomendo dois documentários excelentes: o filme coletivo Deutschland im Herbst (Alemanha no outono, 1977), com episódios dirigidos por Rainer Werner Fassbinder, Volker Schlöndorff e Alexander Kluge, entre outros, e também o documentário Black Box BRD (2001), de Andres Veiel, que segue o destino de uma das últimas vítmas de um atentado da Facção do Exército Vemelho, o banqueiro Alfred Herrhausen, e o último membro da RAF a ser morto pela polícia, o jovem Wolfgang Grams. O diretor nos apresenta uma radiografia das fraturas na sociedade alemã em plena década de 80, ainda não curadas, e que talvez tenham apenas se agravado após a Reunificação.

Data

quinta-feira 25.08.2016 | 13:22

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