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Sobre o trabalho do mexicano Luis Felipe Fabre

fabre 2Luis Felipe Fabre é um poeta e ensaísta latino-americano, nascido na Cidade do México em 1974. Conheci seu trabalho em 2007, quando participou em Berlim do Festival de Poesia Latino-Americana no Instituto Cervantes. Àquela altura, havia publicado quatro livros: as coletâneas de poemas Vida quieta (2000), Una temporada en el Mictlán (2003) e Cabaret Provenza (2007) – lançado pela prestigiosa editora da UNAM, e ainda a coletânea de ensaios Leyendo agujeros, na qual discute trabalhos de poetas como Néstor Perlongher, Ramón López Velarde, Ulises Carrión, Nicanor Parra, assim como o romance Los Detectives Salvajes (1999), de Roberto Bolaño, autor que estuda com interesse especial.

Nos últimos anos, preparou ainda uma antologia da poesia de Mario Santiago Papasquiaro (1953 – 1998), contemporâneo e grande amigo de Bolaño, com quem fundou o movimento infrarrealista que seria imortalizado no romance do chileno, no qual Papasquiaro ressurge na personagem Ulises Lima. Outra antologia organizada por Fabre foi La Edad de Oro, também para a UNAM, reunindo alguns dos melhores poetas mexicanos da nova geração, como Óscar de Pablo, Alejandro Albarrán, Paula Abramo, Daniel Saldaña París e Maricela Guerrero, entre outros, antologia que, como não podia deixar de ser, gerou polêmica no país.

Mas o trabalho que, em minha opinião, fincou o nome de Luis Felipe Fabre entre os melhores poetas latino-americanos de minha geração foi o importantíssimo La Sodomia en la Nueva España (2010), lançado apenas na Espanha. Trabalho de fôlego poético e histórico, nele Fabre debruça-se sobre a História mexicana de perseguições religiosas contra homossexuais no país durante o século XVII. Apropriando-se da linguagem poética da época, especialmente das formas barrocas praticadas pela grande Sor Juana Inés de la Cruz (1651 – 1695), o livro é composto em retábulos, autos e vilancetes, nos quais o poeta mexicano empreende um trabalho de reconstituição poético-histórica, dando voz a vítimas de perseguição e execução impiedosas na Nova Espanha. O caso sobre o qual Fabre dedica sua atenção ocorreu nos anos de 1657 e 1658, quando foram executados vários homossexuais na Cidade do México. A pena à epoca era a fogueira.

É assim que o livro nos apresenta Juan de la Vega, conhecido como la Cotita, baseando-se textualmente em documentos da época, em reconstrução e resgate, retomando a linguagem alegórica barroca do período. Ouvimos então a voz da Santa Doutrina, praguejando contra o “pecado nefando”, ouvimos a voz do Silêncio e do Fogo que consumiram estes homens. Ao retomar formas históricas como o vilancete e o retábulo, geralmente associadas à poesia religiosa, o livro cria várias implicações ético-estéticas ao livro, especialmente quando pensamos que a grande Sor Juana, que as praticou, também foi “acusada” e atacada por  “suspeitas de lesbianismo”, acabando por silenciar a si mesma e deixar de escrever, uma perda nossa pelo machismo daquela época. E da nossa. Creio que seria um momento muito importante para traduzir este livro no Brasil.

Seu último trabalho chama-se Poemas de terror y de misterio (2013). Fabre disse sobre o livro, com humor característico, que se o público leitor está tão interessado em zumbis, mortos-vivos e vampiros, ele escreveria um livro de poemas a respeito. Mas o volume, como nos melhores casos de ficção científica distópica, é muito mais que isso, tornando-se uma inteligente metáfora política para os dias atuais. Traduzi uma série do livro, intitulada Notas em torno do apocalipse zumbi, lançada no ano passado pela Lumme Editor. Encerro com minha tradução para dois dos textos, enquanto os zumbis grunhem lá fora e nas redes sociais.

Trechos de Notas em torno do apocalipse zumbi

Luis Felipe Fabre

1

Os zumbis: cadáveres canibais.

 

2

Os zumbis: mortos insones.

 

3

Os zumbis: pústulas do desconhecido:

 

matilha de podridões

caminhando em sua direção.

 

4

Olhe como executam

sua lenta coreografia de tropeços:

a dança de uma caçada sonâmbula na qual a caça é você.

 

5

Os zumbis: uma nova oportunidade

para que o governo

demonstre sua ineficácia e corrupção.

 

6

Os zumbis: uma nova oportunidade

para que a sociedade demonstre

sua conivência e corrupção.

 

7

Os zumbis: a decomposição do tecido social em pessoa.

 

8

Os zumbis:

 

a persistência post-mortem da fome e da miséria

caminhando em sua direção.

 

*

 

Dizem

que os zumbis

são uma estratégia do tráfico

para aterrorizar o governo. Dizem que

os zumbis são uma estratégia do governo para aterrorizar

 

a população. Dizem que os zumbis são uma estratégia

da população para aterrorizar o tráfico. Dizem

que os zumbis são uma estratégia do governo

para aterrorizar o governo. Dizem

que os zumbis são uma estratégia

do tráfico

 

para

aterrorizar

a população. Dizem que

os zumbis são uma estratégia do tráfico para

aterrorizar o tráfico. Dizem que os zumbis são uma estratégia

da população para aterrorizar o governo. E você, o que acha dos zumbis?

 

Informe-se: escute a Rádio Mictlán:

transmitindo

ao vivo

 

a insurreição dos mortos.

 

(tradução minha, in Notas em torno do apocalipse zumbi (São Paulo: Lumme Editor, 2013)

Data

sexta-feira 24.10.2014 | 11:56

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