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Lorca, feliz, vivo

Hoje é aniversário da data, 19 de agosto de 1936, em que se acredita com maior certeza ter sido aquela em que o poeta, dramaturgo, artista visual e músico Federico García Lorca fora assassinado por franquistas nos arredores de Granada, em Alfacar, este nome que ainda faz soar em nossos ouvidos os tempos do al-Andalus, o império dos mouros na Península Ibérica, que arqueólogos e estudiosos hoje acreditam ter sido o mais glorioso e tolerante império da Europa moderna. Sem os muçulmanos do al-Andalus, não teríamos tido os gregos como fonte de nossa ocidentalidade, não da maneira e à época em que os tivemos.

Lorca foi, afinal, um dos grandes poetas da Andaluzia, o autor do Romanceiro cigano (1928). E o fim completo do al-Andalus veio justamente com a queda de Granada a 2 de janeiro de 1492 para os reis católicos de Castela e Aragão. Granada, a de nome árabe e judeu – os árabes a chamavam de Ġarnāṭah, os judeus de Gárnata –, a cidade de eleição do poeta, onde ele cresceria e seria então capturado em uma noite de desespero ao se esconder na casa de Luis Rosales, seu amigo franquista, crendo poder escapar das represálias que davam início à Guerra Civil Espanhola (1936-1939). E foi a conquista e invasão católica de Granada que daria início à formação da Espanha que conhecemos hoje, a Espanha que Lorca dissecaria em trabalhos como A casa de Bernarda Alba (1936), sua última peça teatral.

Em um século que primou por manifestos literários da vanguarda, hoje quase todos esquecidos, datados, de importância talvez mais histórica do que estética, é talvez o despretencioso “Juego y teoría del duende” de Lorca que ainda nos comove, sua distinção apaixonada entre os artistas leais à Musa, ao Anjo e ao duende.

“Anjo e musa vêm de fora; o anjo dá luzes e a musa dá formas (Hesíodo aprendeu com elas). Pão de ouro ou prega de túnicas, o poeta recebe normas no bosquezinho de lauréis. Ao contrário, o duende tem que ser despertado nas últimas moradas do sangue.

E rechaçar o anjo e dar um pontapé na musa, e perder o medo da fragrância de violetas que exala a poesia do século XVIII, e do grande telescópio em cujos cristais dorme a musa enferma de limites.

A verdadeira luta é com o duende.”

— Federico García Lorca.  Obras Completas.  (Editora Aguillar,  tradução de Roberto Mallet).

rapúnOntem, buscando fotos de Federicio García Lorca, deparei-me com esta bela foto que ilustra esse pequeno artigo em homenagem a ele. Nela, vemos Federico García Lorca e Rafael Rodríguez Rapún, seu amante à época, caminhando pelas ruas de Madri, da Madri republicana, em 1935. À época, Lorca trabalhava em seus “Sonetos del amor oscuro”, nos quais alguns estudiosos identificam Rafael Rodríguez Rapún como destinatário.

Soneto gongorino en que el poeta manda a su amor una paloma
Federico García Lorca

Este pichón del Turia que te mando,
de dulces ojos y de blanca pluma,
sobre laurel de Grecia vierte y suma
llama lenta de amor do estoy parando.

Su cándida virtud, su cuello blando,
en limo doble de caliente espuma,
con un temblor de escarcha, perla y bruma
la ausencia de tu boca está marcando.

Pasa la mano sobre tu blancura
y verás qué nevada melodía
esparce en copos sobre tu hermosura.

Así mi corazón de noche y día,
preso en la cárcel del amor oscura,
llora, sin verte, su melancolía.

Os dois parecem felizes na foto. Lorca seria assassinado no dia 19 de agosto de 1936 por franquistas. Rapún morreria no dia 18 de agosto 1937, lutando contra franquistas.

Data

quarta-feira 19.08.2015 | 12:41

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