Na rodoviária
Mãe e filho.
___ Você foi visitar o túmulo do seu pai?
___ Fui. Eu lavei o túmulo, inclusive. Visitei minha-vó-sua-mãe também.
___ Ah, minha-mãe-sua-vó. Que saudade.
___ Tadinha. Não deve ter nem mais osso.
___ Tem. Tem, sim. Tem osso. Tem o cabelo dela. Tem dente.
___ Não, mãe, dente, não. Os dentes ela perdeu antes de morrer.
___ A dentadura dela era só a mandíbula de cima.
___ Eu achava que minha-vó-sua-mãe não tinha dente nenhum.
___ Tinha os de baixo, eu acho. Gente, minha-mãe-sua-vó morreu sem dente? Ai, que memória a nossa.
___ Eu não tenho certeza. Ela não deixava ver. Ela escondia. Acho que ela tinha vergonha de ter perdido os dentes.
___ Como você lembrou onde era o túmulo?
___ Eu tenho a memória nítida de quando criança a senhora ia lavar o túmulo do meu-vô-seu-pai. Bom, na época era só dele o túmulo. O resto tava tudo vivo.
___ É, só tinha meu-pai-seu-vô na época. Parecia tão longe de encher aquele túmulo. Chegou a pegar você no colo. Você era bebê quando ele partiu. Como era bravo. Não precisava falar “a”. Só olhava. Só de olhar, a gente sabia.
___ Quantas vagas ainda tem o jazigo da família?
___ Todas e nenhuma. São quatro. Já tem meu-pai-seu-vô, minha-mãe-sua-vó, meu-irmão-seu-tio e meu-sobrinho-seu-primo.
___ Ele era tão novo. Mas então não cabe mais a gente.
___ Ai, morto não dura muito, meu filho. Já pode tirar todo mundo ou colocar num canto do túmulo para abrir vaga e ficar tudo junto. Adulto, são cinco anos. Criança, são três. O jazigo da família já está lotado e ao mesmo tempo já tem vaga para mais quatro.
___ É só não morrer tudo duma vez.
___ A gente morre aos pouquinhos nessa família. A gente não é de desastre.
___ Só os lentos.
___ É. Os da vida toda.
(Risos).