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Paula Ludwig: uma austríaca exilada no Brasil

Exílio, substantivo masculino. Ação ou efeito de exilar. Que foi retirado de seu próprio país ou que dele saiu voluntariamente. Local em que habita o exilado. Região desabitada; lugar distante; local solitário. Que se excluiu do convívio em sociedade; solidão. Do latim: exilium.

Na literatura, surge nos trabalhos de tantos poetas e romancistas produzidos longe de seus países. Banidos por imperadores, reis, chanceleres, ditadores. Na literatura alemã, podemos pensar em Heinrich Heine, exilado em Paris. Mas o conceito de Exilliteratur refere-se com mais força aos últimos exílios forçados, durante a ditadura nazista. Escritores como Bertolt Brecht, Hermann Broch, Alfred Döblin, Hilde Domin, Siegfried Kracauer, Nelly Sachs (Nobel de 1966), Heinrich Mann, Klaus Mann, Thomas Mann e Anna Seghers, todos se exilaram. Talvez os trabalhos mais conhecidos neste aspecto sejam os poemas de Bertolt Brecht escritos em Los Angeles. Entre nós, o autor mais conhecido dentre os exilados germânicos é o austríaco Stefan Zweig, por ter vivido em Petrópolis, onde cometeria suicídio em 1942.

Não temos este conceito de forma específica na historiografia literária brasileira, ainda que pudéssemos pensar, nestes termos, em trabalhos como o Poema Sujo (1976), de Ferreira Gullar, escrito em Buenos Aires durante seu exílio da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), em todo um cancioneiro produzido no período por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, e em figuras como Augusto Boal e Glauber Rocha.

O Brasil, como os Estados Unidos e outros países das Américas, beneficiou-se imensamente com as mentes de autores fugindo do horror nazista. A chegada de um homem como Otto Maria Carpeaux foi importantíssima para a abertura crítica de nosso país. Figura genial e fascinante, em pouco tempo o austríaco dominaria a língua portuguesa, conheceria intimamente a literatura brasileira e se tornaria um de nossos melhores críticos literários, com textos essenciais sobre Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa e Cecília Meireles, entre tantos outros. Outras figuras importantes e conhecidas foram o crítico teatral alemão Anatol R$_35osenfeld, o compositor alemão Hans-Joachim Koellreutter e o tradutor húngaro Paulo Rónai. Suas contribuições para nossa cultura são inestimáveis. Desconhecidos em seus países de origem, são vistos como brasileiros.

Neste pequeno artigo, gostaria de somar uma outra figura a esta história, obscura tanto no ambiente germânico como no luso-brasileiro, que descobri há pouco tempo: a poeta e pintora austríaca Paula Ludwig. Nascida em Feldkirch em 1900, foi contemporânea exata de Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa. Mudou-se para a Alemanha por volta de 1920, onde se tornou amiga dos irmãos Klaus e Erika Mann, e passou a circular entre os autores e artistas ligados ao expressionismo. Em Berlim, estabeleceria contato com Bertolt Brecht, Kurt Tucholsky, Carl Zuckmayer e Joachim Ringelnatz, começaria a publicar em revistas e teria um dos encontros mais marcantes e definidores de sua vida: o início de seu relacionamento com Yvan Goll. O triângulo amoroso entre Paula Ludwig, Yvan Goll e Claire Goll revela seus contornos trágicos na correspondência entre os três, editado por Claire, ainda que se acredite que esta tenha destruído muitas cartas.

Crítica do regime, Paula Ludwig viria para o Brasil em 1940, onde sua irmã já vivia, estabelecendo-se no Rio de Janeiro e São Paulo, onde permaneceria até 1953. Diferentemente de Carpeaux, Rosenfeld e Rónai, no entanto, a autora jamais se adaptaria ao país ou adotaria nossa língua. Mas encontraria entre nós uma paixão e consolo na arte de Antônio Francisco Lisboa: “Tu meu grande consolo nesta terra / Único rastro-irmão que aqui me emperra”, como diz a autora nos dois primeiros versos do poema “Aleijadinho”, aqui em tradução de Douglas Pompeu e Christiane Quandt.

Ao retornar à Áustria, primeiramente não teve sua cidadania reconhecida, ainda que mais tarde viessem reconhecimentos importantes como o Prêmio Georg Trakl em 1962 e o da União dos Escritores Austríacos (Preis des Österreichischen Schriftstellerverbandes) em 1972. Seus livros incluem, em poesia, Die selige Spur (1919), Der himmlische Spiegel (1927) e o importante Dem dunklen Gott. Ein Jahresgedicht der Liebe (1932), gerado e marcado por suas agruras amorosas com Yvan Goll. Em prosa, viriam os livros de memória Buch des Lebens (1936) e Träume. Aufzeichnungen aus den Jahren zwischen 1920-1960 (1962).

Quando seu primeiro livro após o retorno à Europa seria publicado, Paula Ludwig escreveu à editora: “Por favor, evitem notas biográficas. Minha vida foi relativamente excepcional demais para que eu possa resumi-la. Nascida: 5.1.1900; doravante morta centenas de vezes! Fuga de Berlim 1933! Fuga do Tirol 1938! Fuga de Paris 1940! 13 anos no Brasil; 1953, volta ao lar – fatal! -”

Seu livro documentando poeticamente a relação turbulenta com Yvan Goll, Dem dunklen Gott, um belo, belo livro, é o mais fácil de ser encontrado, mas seus poemas foram reunidos, e a memória da autora vem retornando à cultura germânica. Mereceria ser lida também por nós. Ainda que sua passagem pelo Brasil não tenha deixado marcas no país, algo do país parece ter deixado marcas na autora, como o belo poema dedicado a nosso grande arquiteto e escultor demonstra.

Data

terça-feira 23.02.2016 | 11:36

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