Mais blogs da DW DW.COM

Alguns tradutores brasileiros, hoje

1107-20140730163959No último texto que publiquei neste espaço, comento o trabalho de alguns tradutores estrangeiros que vêm contribuindo para uma maior divulgação da literatura brasileira no exterior.  Parece-me importante completar este comentário com a menção a alguns tradutores brasileiros que nos últimos anos têm feito tanto pelo pensamento literário no Brasil.

A tradução tem sido uma constante no trabalho de escritores nacionais. Sabemos que Machado de Assis traduziu, entre outros, um autor como Edgar Allan Poe, assim como a obra de Proust recebeu no Brasil a atenção de gente como Mario Quintana, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, de quem o volume de sua poesia completa, Estrela da Vida Inteira, traz traduções do inglês, francês, espanhol e alemão. De Drummond, a Cosac Naify lançou há pouco tempo o volume Poesia Traduzida, com poemas também de várias línguas. Mas é interessante que raramente vemos os nomes destes autores ligados ao trabalho da tradução. Não é com frequência que lemos: „O poeta e tradutor Manuel Bandeira…“

A grande mudança se dá, certamente, com os poetas do Grupo Noigandres. O trabalho tradutório de Haroldo de Campos, por exemplo, é inseparável de sua obra poética e crítica. Foi o homem, é claro, que nos deu o conceito e prática da transcriação como parte integrante do trabalho criativo de um escritor. Lição tomada certamente de Ezra Pound, sobre o qual a crítica norte-americana Marjorie Perloff escreve, em seu The Dance of the Intellect: Studies in the Poetry of the Pound Tradition (1996), que o pensamento tradutório do norte-americano segue sendo uma de suas grandes influências sobre a poesia contemporânea.

Pound acreditava que todo período de grande criação era precedido de um período de intensa tradução, e ele próprio considerava um livro de traduções,  As Metamorfoses de Ovídio por Arthur Golding, o mais belo da língua inglesa.

Não posso pensar hoje no trabalho contemporâneo de transcriar sem que me venha à mente a antologia de André Vallias dedicada à obra de Heinrich Heine – Heine, Hein? Poeta dos Contrários (São Paulo: Perspectiva, 2011), um dos grandes livros de poesia da língua portuguesa dos últimos anos. Há hoje gente muito séria dedicando-se à criação tradutória. Na cidade de Curitiba, por exemplo, vivem hoje dois exemplos marcantes: Caetano W. Galindo e Guilherme Gontijo Flores. O primeiro deu-nos a celebrada tradução de nada menos que o Ulysses, de James Joyce (São Paulo: Companhia das Letras, 2012) e dedica-se no momento à recepção lusófona de outro catatau de dificuldades, o Infinite Jest, de David Foster Wallace. Guilherme Gontijo Flores publicou sua premiada tradução de Anatomy of Melancholy, de Robert Burton (Curitiba: Editora UFPR, 2013), em 4 volumes, e acaba de lançar sua tradução para as Elegias de Sexto Propércio (Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2014).

Screen Shot 2014-08-22 at 16.26.19Os últimos anos foram de grande esforço tradutório. Ainda no campo da poesia clássica, Érico Nogueira publicou traduções para todos os Idílios de Teócrito, a partir de sua tese Contenda, Verdade e Poesia nos Idílios de Teócrito (São Paulo: É, 2013). São autores que seguem o caminho do grande João Angelo Oliva Neto entre nós, tradutor de Catulo e Marcial. Dirceu Villa, por sua vez, traduziu e comentou todo o Lustra, do já citado Ezra Pound (São Paulo: Selo Demônio Negro, 2011), e, recentemente, o poeta gaúcho Marcus Fabiano Gonçalves me deu a conhecer o excelente trabalho tradutório de Bruno Palma para poetas francófonos como Saint-John Perse e François Cheng. Também considero o volume Poesia Alheia (São Paulo: Imago, 1998), de Nelson Ascher, e Céu Vazio: 63 Poetas Eslavos, de Aleksandar Jovanovic, todos livros importantes para a formação de um jovem poeta no Brasil. Trata-se de gente que não brinca em serviço.

Além destes, e são muitos outros, para meu próprio trabalho foram muito importantes as traduções de Geraldo Holanda Cavalcanti de herméticos italianos como Eugenio Montale e Salvatore Quasimodo, as de Maurício Santana Dias para Cesare Pavese e seu Trabalhar Cansa (SP/RJ: Cosac Naify/7Letras, 2009), e agradecimentos seriam pouco para o trabalho de pessoas como Josely Vianna Baptista, Douglas Diegues, Pedro Niemeyer e Bruna Franchetto com a poesia ameríndia, assim como o Popol Vuh de Sérgio Medeiros. Se Pound estiver certo em sua equação tradução/criação, precisamos celebrar estes tradutores-criadores com mais afinco. Devemos muito a eles.

Data

segunda-feira 25.08.2014 | 09:41

Compartilhar