Encontros internacionais de escritores
A chegada da primavera na Europa dá início à estação dos festivais de literatura e poesia. Hoje, no Brasil, com eventos como a Festa Literária Internacional de Paraty, o Festival Artes Vertentes em Minas Gerais ou o Festival Internacional de Poesia do Recife, tais encontros se tornaram mais comuns e esperados. Não era assim no início deste século, quando a ideia de autores lendo em público ainda era algo estranho no país.
Acabo de retornar de Bremen, onde participei do festival “Poetry On The Road”, organizado por Regina Dyck anualmente desde o ano 2000. Li ao lado de autores de Gana (Nii Ayikwei Parkes), China (Bei Dao), Áustria (Gerhard Rühm), Botsuana (TJ Dema), Israel (Maya Kuperman), entre vários outros. A noite de abertura aconteceu no Theater Bremen, que acomoda cerca de 500 pessoas. Casa lotada. A segunda leitura ocorreu no teatro da Shakespeare Company, que acomoda outras 250 pessoas. Casa lotada. Todos os outros eventos, em locais menores, geraram o mesmo interesse. São daqueles acontecimentos que nos levam a questionar a tirada jornalística preguiçosa sobre a crise da poesia, como já escrevi aqui [ver meu artigo “O que está em crise quando se diz em crise a poesia”, DW Brasil, 11.03.15]. Como qualquer evento, se bem organizado e com convidados interessantes, o sucesso será o mesmo do de um festival de música ou uma exposição de artes visuais.
Como autor, estes encontros têm sido muito importantes para mim, desde que fiz minha primeira leitura pública em São Paulo, na Casa das Rosas, em fevereiro de 2006. Pois, ao ler em público, em contato direto com seus leitores/ouvintes, recebendo a reação imediata a seus textos, um autor começa a entender a importância do contexto para um trabalho literário. Além disso, quais textos funcionam quando lidos em voz alta? Há textos que só funcionam na página? Há textos que exigem a atenção dos olhos, a oportunidade de reler? A atenção e reação do ouvinte é diferente da do leitor?
Passei a compreender, de forma prática, certas características da poesia relacionadas ao som, em especial ligadas à repetição (rima, assonância, aliteração, anáfora), nestes eventos. Além disso, o contato com escritores de outros países, para alguém como eu, que também escreve crítica, é importantíssimo. Minhas conversas com o prosador e poeta ganês Nii Ayikwei Parkes e com a botsuanesa TJ Dema foram não apenas importantes para conhecer o que se passa em termos literários como políticos em dois países da África sobre os quais sei tão pouco. E ver um octogenário como o austríaco Gerhard Rühm, do Grupo de Viena, foi mais que didático.
Este mês ocorre em Berlim um dos maiores festivais literários da Europa, o PoesieFestival. Participo nele de uma conferência chamada “O futuro da poesia”, ao lado de autores como a sueca Cia Rinne e a norte-americana LaTasha N. Nevada Diggs, e no dia 22 de junho ocorre um evento para o qual fui responsável pela curadoria, investigando formas alternativas de “publicação” de textos, no sentido de tornar públicos, dá-los ao público: seja pela gravação da voz, por vídeos, através da antiga tradição de cantar seus poemas, ou por novas plataformas como o Twitter. Convidei o sueco Karl Holmqvist, que se move no mundo da artes visuais preparando vídeos com seus poemas ou escrevendo-os nas paredes brancas de galerias de arte; a norueguesa Hanne Lippard, que colabora com músicos e também trabalha com vídeo e performance; o britânico Crispin Best, uma das estrelas da poesia na internet, soltando seus poemas pelo Twitter e em leituras públicas; a portuguesa Matilde Campilho, que primeiro ficou conhecida através de seus vídeos no YouTube; e encerramos a noite com uma performance da britânica/alemã Annika Henderson, mais conhecida como Anika, cantando.
Em setembro, retorno ao Brasil para performances no festival Artes Vertentes, para o qual tenho também colaborado na curadoria ao lado de Luiz Gustavo Carvalho, um encontro em Tiradentes que já anunciou a vinda ao Brasil do premiado autor lituano Tomas Venclova, ao lado de uma das revelações da poesia brasileira jovem, o paulistano William Zeytounlian.
Estes encontros internacionais podem ser decisivos para a literatura de um país, para uma abertura de sua escrita a outras tradições e práticas. Sabemos da importância, hoje, que a vinda do suíço Blaise Cendrars teve para o modernismo brasileiro, e como os diálogos dos poetas concretos Haroldo de Campos e Décio Pignatari com intelectuais e poetas estrangeiros como Eugen Gomringer, Max Bense e Roman Jakobson foram frutíferos. Que frutos contemporâneos nasçam destes novos encontros nos dias de hoje.