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“Muito Romântico”, uma década de Berlim nas telas

Melissa Dullius e Gustavo Jahn dirigiram, montaram e filmaram "Muito Romântico"

Melissa Dullius e Gustavo Jahn dirigiram, montaram e filmaram “Muito Romântico”

Escrever sobre este filme dirigido, montado e filmado pelo duo Distruktur, formado pelos brasileiros Melissa Dullius e Gustavo Jahn, mistura-se a escrever sobre suas vidas desde que deixaram o Brasil e embarcaram (literalmente) para a Alemanha, fixando residência em Berlim em 2007. Com estreia na Berlinale deste ano, na seção Forum Expanded, Muito Romântico (Alemanha/Brasil, 2016) foi exibido uma vez mais na capital alemã durante o Berlin Art Film Festival na semana passada, para uma sala lotada no tradicional Kino Moviemento, na fronteira entre os bairros de Kreuzberg e Neukölln. Com forte carga de identificação para brasileiros que fizeram essa viagem de migração específica e enfrentaram as agruras, experimentaram os prazeres e presenciaram as transformações de Berlim na última década, o filme é ainda um ensaio sobre a migração, as adaptações a uma nova cultura e sobre o amor no estrangeiro.

Dullius é de Porto Alegre. Jahn é de Florianópolis. Mas é de Porto Alegre, em 2007, que os dois entram em um navio e embarcam para a Alemanha, “sem saber no que vai dar, mas com força total”, como diz a personagem que se confunde com Jahn logo no começo do filme. Confunde-se porque, como na prática do duo, as personagens são e não são os próprios. É já no navio que começam a filmar em 16mm, com a ideia de fazer um filme que se passasse inteiramente ali, naquela travessia. O filme do navio não se materializa, mas o casal segue filmando as explorações por Berlim, da busca por apartamento na cidade a caminhadas pelas regiões em eterna construção e reconstrução e às amizades que vão se forjando. Com várias imagens exteriores, o centro do filme, porém, é o apartamento do casal em Friedrichshain, onde ocorrem as festas típicas do hedonismo berlinense – essa cidade sempre em polvorosa, aonde desde os anos 1920 artistas vêm produzir e desperdiçar obras. Ali ocorrem as crises comuns de um casal pelo dia a dia de qualquer dia e lugar, mas especialmente as crises específicas de artistas em uma cidade como Berlim e as saudades de brasileiros soterrados sob a neve, cercados por uma língua tão diferente da portuguesa. Em alemão e português, acompanhamos essa década do casal.

A prática artística de Dullius e Jahn, agindo com mais frequência no contexto das artes visuais, faz-se sentir na textura do filme, sua paixão, em primeiro lugar, pela materialidade do cinema em suas cores, focos, jogos de câmera, as possibilidades estéticas da própria escolha de trabalhar sempre com 16 mm. Isso não quer dizer que o filme não esteja interessado no aspecto narrativo do cinema como arte. É tentador, para mim, fazer um paralelo entre o trabalho com a imagem movediça (para englobar aqui todo trabalho fílmico) e o trabalho com a linguagem (para englobar toda escrita), e dizer que o filme de Dullius e Jahn, em sua paixão pela materialidade do seu meio artístico, está mais para a poesia do que para a prosa. Isso os liga a toda uma tradição do cinema. Ao fim do filme, o curador do festival, Tobias Ashraf, buscou paralelos com outros diretores e, sendo europeu, trouxe à baila o nome de Jean-Luc Godard. Mas qualquer brasileiro na plateia percebia desde o princípio uma ligação estética com o brasileiro Júlio Bressane (ainda que ele próprio esteja ligado a Godard), a quem o duo presta homenagem com uma citação no filme. Mas não consigo deixar de ver nesse filme berlinense um filme brasileiro. Ainda que filmado todo ele fora do Brasil, em Muito Romântico o espectador sente-se dentro do Brasil. O filme adentra a tradição experimental e subterrânea do nosso cinema, a de Bressane e Rogério Sganzerla.

Brasileiro, mas o filme nasce de todo o arquivo pessoal dos diretores nos seus últimos dez anos em Berlim. Abrindo com as cenas no barco em 2007, a narrativa nasce na ilha de edição, como nossa memória faria ao tentar contar a história de uma década em uma cidade estrangeira. Poucas cenas foram filmadas especialmente para o filme, com o intuito de criar pontes onde eram estritamente necessárias. No entanto, a constância estilística das mentes criadoras de Jahn e Dullius dão ao filme uma cara de coberta que aquece sem chamar a atenção para suas costuras entre os retalhos. É um filme de gênero híbrido talvez por buscar respostas às várias perguntas que praguejam a mente de um artista fora do Brasil: se é em primeiro lugar um ensaio sobre o amor, é também um ensaio sobre a migração, sobre o exílio, sobre a saudade, como já disse. É, em suma, um filme muito bonito.

Os brasileiros já tiveram a chance de ver Jahn e Dullius, como atores, no filme Os Residentes (2010), de Tiago Mata Machado, e Jahn está em O Som Ao Redor (2012), de Kléber Mendonça Filho. Sua prática como artistas segue, portanto, imiscuindo-se em todos os aspectos da imagem que se move, e os dois trabalham agora no roteiro de um filme que deve se passar em Florianópolis. Dullius também continua sua pesquisa apaixonada sobre a poeta alemã Marie Luise Kaschnitz (1901-1974) – contemporânea de poetas brasileiras como Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, e que, assim como esta última é no Brasil, é algo esquecida na Alemanha. A Kaschnitz Dullius gostaria de dedicar um filme. Aos leitores deste artigo, recomendo que assistam a este Muito Romântico quando tiverem a chance. Vou agora, brasileiro, encarar o resto do dia frio em Berlim.

Data

segunda-feira 12.12.2016 | 12:18

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