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Poeta em turnê com uma banda
Escrevo este texto em um micro-ônibus usado pela banda alemã Lea Porcelain em suas turnês. O produtor das batidas Julien Bracht está ao meu lado e, do lado de fora, o vocalista Markus Nikolaus abastece o ônibus em um posto de gasolina ao lado da Funkhaus, onde fica o estúdio da banda. Funkhaus é um complexo de prédios imponente no bairro de Rummelsburg, na antiga Berlim Oriental, onde funcionou por décadas a estação de rádio oficial da República Democrática Alemã (RDA), a antiga Alemanha Oriental.
A sala de concertos que era usada para transmissões ao vivo, para o país todo de então, agora recebe concertos de bandas nacionais e internacionais, e as muitas salas dos vários prédios do complexo funcionam como estúdios para bandas e produtores de música eletrônica. Os gerentes do complexo começam a transformar algumas das salas em apartamentos destinados a artistas. O projeto é que a Funkhaus se torne um conglomerado cultural para Berlim.
Completam o grupo no ônibus o baixista Nicholas Fehr e o baterista Jan Urbiks, que tocam com Lea Porcelain ao vivo, e ainda seu engenheiro de som, o austríaco Moritz Kerschbaumer. Neste ponto do texto, estamos cruzando uma ponte sobre o rio Spree, deixando Berlim em direção a Wiesbaden no estado de Hessen, onde esta noite Lea Porcelain apresenta-se ao vivo. E eu, o que faço no ônibus? Tenho viajado com a banda nesta turnê, abrindo para eles… como poeta. Na semana passada, abri o concerto deles com a performance de um texto em seus concertos em Berlim, Hamburgo, Londres e Paris.
Tenho me valido de minhas colaborações de texto falado e música, compostos com o músico alemão Nelson Bell, também conhecido como Crooked Waves. Há uma tradição para isso. Sabemos das andanças de Allen Ginsberg com Bob Dylan por Paris. O poeta britânico John Cooper Clarke costumava apresentar-se com bandas como Joy Division, Sioux and The Banshees ou Sex Pistols. Poeta e compositora ela mesma, Patti Smith ainda alterna canções e poemas em suas apresentações, e o trabalho de Linton Kwesi Johnson habita os dois mundos. Não estou querendo, de forma alguma, comparar-me a eles, mas me dá segurança saber que estas confusões entre poesia e música pop têm antecedentes entre meus heróis.
Tem sido uma aventura e uma experiência ótima. Uma coisa é apresentar um trabalho de fala e performance para uma plateia esperando uma leitura de poesia. Outra é apresentar-se como atração de abertura para uma plateia esperando um concerto de rock. Mas o resultado tem sido mais do que positivo, com as pessoas mostrando até certa gratidão pela surpresa, por serem tiradas da mesmice, receberem algo que não esperavam. As fronteiras entre as artes estão cada vez mais fluidas, ainda que certos espaços e contexto ainda definam a recepção de um trabalho.
Conheço poetas que apenas apresentam seus trabalhos em galerias e museus, os espertos, e são assim contados (e remunerados) entre os artistas plásticos. Isso é uma discussão interessante: o trabalho de um escritor muda, em si, se é apresentado em um festival de literatura, em um festival de música ou em uma exposição de artes plásticas? Uma coisa muda com certeza em muitos casos: a remuneração.
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