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O rio corre para sempre: homenagem a River Phoenix

Ontem, 23 de agosto de 2015, o ator norte-americano River Phoenix (1970-1993) teria completado 45 anos de idade. Ler a notícia me encheu de lembranças da infância e da adolescência. Não tenho palavras para descrever como fui obcecado por ele nas décadas de 1980 e início de 1990, até sua morte, quando eu tinha 16 anos e ele, 23. Alguns de seus filmes marcaram momentos da minha vida. Minha infância era cheia da nostalgia estranha de querer viver como em Stand by me (dir. Rob Reiner, 1986, lançado no Brasil como Conta comigo). Minha cidade natal, Bebedouro, tem um Horto Florestal e uma parte dele se chamava Água Branca, mítica, onde jamais pude ir porque era longe demais, e a cidade tem aqueles mesmos trilhos da velha estrada de ferro São Paulo-Goiaz, da Companhia Ferroviária Paulista, hoje desativada. Claude Lévi-Strauss fala dessas estradas de ferro paulistas em seu Tristes Trópicos (São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar).

0,,1679990_6,00Devo ter assistido mil vezes a Running on empty (dir. Sidney Lumet, 1988, lançado no Brasil como O peso de um passado). E, quando eu tinha 14 anos, Gus Van Sant lançou seu My Own Private Idaho (1991, lançado no Brasil como Garotos de programa), com River Phoenix e Keanu Reeves nos papéis principais, filme que teve um impacto gigantesco sobre minha adolescência. A famosa cena da fogueira no deserto, quando as personagens de Phoenix e Reeves estavam já a caminho de Idaho, me dava calafrios de beleza. Devo ter gastado a fita VHS em que gravei, de forma caseira, o filme. Segundo historiadores do cinema, a cena foi a última a ser gravada, por insistência de River Phoenix. É a melhor cena do filme, talvez. Mal sabia que viria a ter conversas parecidas na minha própria vida mais tarde.

“I could love someone even if I wasn’t paid for it. I love you and you don’t pay me.” – “Eu poderia amar alguém sem ser pago por isso. Eu amo você e você não me paga” talvez esteja entre as falas mais pungentes, desesperadas, ridículas e belas que já ouvi no cinema. É como no poema “Rue de Seine”, de Jacques Prévert, em que o francês descreve a briga entre dois amantes que ele entreouve naquela rua parisiense: “Pierre eu quero saber tudo / me diz a verdade/ pergunta grandiosa e estúpida”.

Pierre je veux tout savoir
dis-moi la vérité
question stupide et grandiose

É claro que muito da beleza da cena vem da performance delicada e comovente do ator. River Phoenix era sete anos mais velho que eu. Os três filmes que mencionei foram tão importantes em determinados momentos da minha vida que eu desenvolvera a fantasia de que Phoenix estaria para sempre lá, sete anos no futuro, mandando mensagens para mim em formato de filme, explicando como e o que devemos fazer em cada fase de nossa vida. Sua morte por overdose, na madrugada de 31 de outubro de 1993, me deixou de coração partido. Menciono River Phoenix em um poema de meu novo livro. Alguém precisa analisar o culto contemporâneo ao ator. Ele talvez seja nosso James Dean (1931-1955). Vários artistas, entre eles nosso Milton Nascimento, dedicaram trabalhos a River Phoenix, sempre expressando a mesma obsessão.

Descanse em paz, caro. Você continua no meu futuro. O rio corre para sempre.

Data

segunda-feira 24.08.2015 | 11:46

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