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Introdução ao Brasil para alemães

Hoje, às 20:30 na galeria Image Movement, em Berlim, conduzo uma leitura e noite de introdução ao Brasil, com os escritores Adelaide Ivánova, Rafael Mantovani, Italo Diblasi e Flávio Morgado. Cada um lerá textos próprios com traduções para o alemão ou inglês, e ainda textos de outros escritores brasileiros, também com traduções projetadas em tela, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Hilda Hilst. A ideia é também projetar vídeos de músicos brasileiros tocando e cantando ao vivo, cenas de um par de filmes e documentários importantes, e falar sobre certos pontos da História do país.

Cada um dos escritores vem de uma região diferente do Brasil, portanto podemos falar sobre infâncias que tanto poderiam ser de países distantes, não houvesse a língua que nos une. Adelaide Ivánova nasceu no Recife. Rafael Mantovani é da cidade de São Paulo. Italo Diblasi e Flávio Morgado são do Rio de Janeiro, mas com experiências diversas da cidade. Eu sou do interior de São Paulo. Em seu poema “Descoberta”, Mário de Andrade fala de um homem no norte do país, descobrindo, à sua mesa na Rua Lopes Chaves em São Paulo, que aquele homem era tão brasileiro quanto ele. Estes outros quatro escritores lendo hoje comigo, são brasileiros como eu? Exatamente como eu? Somos brasileiros, mas um como o outro? Estes Estados da chamada “União”, são de certa forma como países em si?

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Urna funerária da Civilização Marajoara

Como se pode apresentar a um estrangeiro um país-continente como o Brasil? Se mostrarmos a eles uma canção do mineiro Milton Nascimento na voz da gaúcha Elis Regina, cobrimos parte do território? Unida a uma canção do pernambucano Luiz Gonzaga na voz da baiana Gal Costa, chega-se a mais terra? Com um samba de Cartola, cantado por ele mesmo, dá-se conta do gênero? Sobre quem falar? Sobre o fim trágico do poeta Cruz e Sousa, morto em 1898 por tuberculose como quase-indigente, e então falar da poeta Orides Fontela, morta em 1998, exatamente um século depois, também com a mesma doença, também quase-indigente? No fim daquele grande poeta negro e daquela grande poeta mulher, num país racista e machista como o nosso, chegamos a algo sobre a nossa quase-indigência?

Há ainda as questões de caráter histórico, de origem. Seguimos a perspectiva do colonizador, que ainda rege nossas aulas de História, como se o Brasil houvesse começado em 1500? Descobrimento ou Invasão? Ignora-se tudo o que houve antes? Por mim, posso dizer como pretendo começar a noite: dedicando-a a uma mulher, a mais antiga mulher conhecida do território, uma espécie de matriarca, Luzia. Aquela que passamos a chamar de Luzia, quando seus restos (o crânio de uma mulher na casa dos 20 anos) foram encontrados nos anos 1970 pela missão arqueológica franco-brasileira da arqueóloga Annette Laming-Emperaire, em escavações na Lapa Vermelha, uma gruta no município de Pedro Leopoldo, nos arredores de Belo Horizonte. Datados em cerca de 12.000 anos, estão entre os restos humanos mais antigos encontrados nas Américas, ainda que até hoje Luzia esteja cercada de controvérsia no debate sobre o início da chegada dos humanos ao continente.

Se um britânico pode hoje reivindicar como história e origem um local como Stonehenge, construída por um povo que falava outra língua, tinha outra cultura e religião, por que não podemos nós brasileiros reivindicar como antepassados também Luzia e as pinturas rupestres de seu povo, assim como os geoglifos amazônicos e as urnas funerárias da Civilização Marajoara, como parte de nossa história e origem, ainda que hoje falemos outra língua, tenhamos outra cultura e religião? Não descendemos tantos de nós também destes?

São algumas das questões que nos guiarão hoje.

Data

terça-feira 16.08.2016 | 11:25

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