A arte e o seu mercado na Alemanha
Seria impossível esboçar um panorama sobre as artes visuais na Alemanha. É uma das cenas mais vivas da Europa, não apenas com os nativos, mas com os inúmeros artistas imigrantes que fizeram do país sua casa, Berlim em especial. Folhear um destes guias do quem-é-quem no mundo das artes é deparar-se com um sem número de repetições da frase “Vive e trabalha em Berlim” (ou Colônia), seja em publicações seriais como a Art Now da Taschen ou revistas especializadas que fazem carreiras.
No entanto, refiro-me à produção em terras alemãs: produção e criação, não sua distribuição e recepção. Pois não se trata de um mar de rosas, ainda que as aberturas tenham suas trufas e champanha – é mais provável ser Prosecco, ou algum Sekt de supermercado.
A cena é bem menos profissionalizada por aqui do que em outros centros como Londres ou Nova York, com tradições de mercado e galerias desde os anos 1950, quando o pós-guerra viu o surgimento do mercado de arte como o conhecemos hoje. Mesmo que ela tenha se expandido, se globalizado, as regras não mudaram. Se estrelas internacionais como Ólafur Elíasson (Veja vídeo: Olafur Eliasson exibe “Five orientation lights”) e Douglas Gordon vivem, trabalham e têm seus estúdios em Berlim, não é frequente que se possa ver seus trabalhos na cidade. Celebridades das artes pintam, esculpem, compõem aqui, mas é fora que vendem suas obras. Porque é simples: Berlim pode ser sexy, nas palavras do antigo prefeito Klaus Wowereit, mas continua pobre e na corda-bamba da bancarrota. Não há dinheiro, não há colecionadores ricos como em outras capitais. São mais raras figuras como Christian Boros, que após ganhar sua fortuna no ramo da publicidade pôde transformar um bunker da Segunda Guerra em casa e museu particular no centro de Berlim. Há, mesmo assim, galeristas renomados, como Daniel Buchholz, que representa artistas reconhecidos internacionalmente como os alemães Isa Genzken e Wolfgang Tillmans, ou estrangeiros como Cerith Wyn Evans e Henrik Olesen.
Mas Berlim segue atraindo artistas de fim, meio e começo de carreira, alemães e estrangeiros, por seus aluguéis ainda baratos e a possibilidade de espaços disponíveis para projetos visuais, musicais, literários. Neste aspecto, as cenas literária, musical e artística se assemelham. É que a cidade é “nova” demais, tudo foi recomeçado após a Reunificação. Tem menos brilho que Paris e Londres, como na cena da moda, e não é à toa que as duas por vezes se confundam aqui. Mesmo a Bienal de Berlim cambaleia, tentando fincar-se como data importante no calendário do mercado de arte. Está muito atrás de bienais de países oficialmente mais pobres, como a própria Bienal de São Paulo, fundada em 1951. A data mais importante da arte na Alemanha ainda é a Documenta, em Kassel, mas ela ocorre a cada 5 anos. Tão dada ao experimentalismo eletrônico, não é de se admirar que um evento como o Transmediale em Berlim, que reúne o experimentalismo tecnológico no campo das artes e da música, ainda seja mais importante que a Bienal.
Na pintura, o país ainda tem grandes mestres do pós-guerra vivos e ativos, como Gerhard Richter, Georg Baselitz, Günther Uecker e Rosemarie Trockel. Um dos meus favoritos, Sigmar Polke, morreu em 2010. Isa Genzken, já mencionada, é uma das artistas mais respeitadas no país hoje. Mais jovens que estes, Neo Rauch e Albert Oehlen estão juntos deles entre os alemães mais caros no mercado hoje. E, sabemos, preços caros no mercado traduzem-se em prestígio cultural nesta fase terminal do capitalismo. Talvez haja uma relação disso com a recepção de Joseph Beuys, outro nome conhecido no Brasil, mas que sofre na Alemanha por sua hiper-exposição, e, assim como Bertolt Brecht na literatura, passa ainda por uma espécie de purgatório de natureza política, eu arriscaria dizer.
Gostaria de encerrar com ao menos uma recomendação, como fiz nos textos sobre música, cinema e literatura: o jovem artista visual David Schiesser. Nascido em 1989, já vem conquistando seu espaço e eu o admiro por sua integridade, ao manter-se alheio a modas e tendências, seguindo sua visão pessoal. Ele trabalha especificamente com o desenho e o desenho como pintura, recebendo comissões para desenhar diretamente nas paredes de espaços variados, como se pode ver no vídeo abaixo, de Yannic Poepperling. Também tatuador, leva seus desenhos originais para os corpos das pessoas, e é um dos artistas jovens mais interessantes que descobri nos últimos tempos em Berlim. Através de um suporte tão simples como o desenho, ele consegue também chegar ao gesto épico e mítico.
Vídeo: