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Brasileiros no Salão do Livro de Paris

Em princípio, evito polêmicas sobre premiações, mesmo quando concordo que houve injustiças, e também sobre participações em festas, feiras e feriados, mesmo quando me parecem ridículas as listas. Sendo também escritor, não fica clara a linha que separa o pessoal do público, e há o risco de turvar ainda mais as águas. Quando fiz alguma intervenção, foi por questões políticas que me parecem sérias, como em meu texto para esta mesma DW Brasil, em 2012, sobre a porcentagem ridícula de mulheres entre os convidados, a cada ano, da mais prestigiosa festa do mercado livreiro nacional, a FLIP (“Opinião: Com poucas autoras, Flip não reflete a produção literária atual”, DW Brasil, 09/07/2012).

Não que eu tenha esperança que estas tentativas de debate mudem algo. Nos dois últimos anos, os curadores da festa falharam mais uma vez em encontrar ao menos uma dezena de autoras para suas listas de mais de 40 escritores. A coisa melhorou um pouco em 2013, mas decaiu novamente este ano. Mas é apenas com o debate, que está se intensificando, que podemos esperar que haja uma transformação a longo prazo. É, sim, uma questão estrutural, que envolve todo o mercado livreiro. Não é apenas culpa dos curadores, mas há em geral uma inconsciência das obrigações políticas dessa posição dentro da literatura.

Posso apenas insistir aqui que não se trata de questão pessoal. Eu próprio não tenho nada do que reclamar. Acabo de voltar de Roma, onde participei de uma feira literária com apoio da Embaixada do Brasil na Itália, e há dois meses estava no México nas mesmas condições. E estou certísssimo de que em cada esquina do país há um autor que se julgava mais merecedor dessas viagens. As polêmicas são coisa natural da vida literária. Somos gente que passava a vida diante do tinteiro, depois da máquina de escrever, e agora do computador. Provavelmente, deveríamos sair mais de casa.

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E a briga sempre gira em torno das exclusões versus inclusões, quem merece mais, quem é melhor. Lembro-me das mesmas questões nos jornais quando o Brasil foi o convidado do Salão em 1998. Dá-se o mesmo quando se lança uma antologia de autores contemporâneos, ou alguma publicação estrangeira lista os melhores, os mais bonitos, os mais rápidos. Todos nós nos assanhamos. Temos egos.

Sempre penso que devemos em primeiro lugar nos alegrar com as inclusões acertadas. Murmurar um “pelo menos isso” e respirar aliviados com o fato de que algo de bom foi feito. Pessoalmente, acho importantíssimo que autores como Daniel Munduruku e Davi Kopenawa estejam em Paris e folgo em saber que os parisienses ouvirão tanto Ricardo Aleixo como Lu Menezes, ótimos poetas, com trabalhos tão diferentes entre si. Tenho muito respeito por Bernardo Carvalho, Paulo Lins, Ronaldo Correia de Brito e Luiz Ruffato. A lista, na verdade, me parece razoavelmente equilibrada, descontando a obsessão de sempre pela celebridade sobre a qualidade. Afinal, Galera é leitura celebrada pela galera.

É claro que Ana Maria Machado estará presente. É presidente da Academia Brasileira de Letras e foi escolhida pela instituição, assim como seus colegas de fardão Nélida Piñón e Antônio Torres. Espero que muitas crianças visitem o evento, já que escreve primordialmente para seres humanos com esta idade mental.

Não adianta espernear pela presença de Paulo Coelho quando já havia sido anunciado que se tratava de uma exigência do próprio Salão do Livro. Eles estão lá para vender livros e, queiramos ou não, o trambolho vende. Se o Brasil ainda não exporta o biscoito fino, ao menos já exporta o pastel de ar. É um dos maiores sucessos de nossa redemocratização.

Não significa que não tenha meus sobressaltos com algumas inclusões e exclusões. Estas listas me dão a sensação de viver num universo paralelo, pois em geral meu Brasil literário é povoado por seres muito diferentes dos que têm número de R.G. e passaporte emitidos pelo Ministério da Cultura. Um exemplo é a presença de Affonso Romano de Sant’Anna na lista, após já ter estado em Frankfurt. Paris relembrou-me agora, assim como Frankfurt, que o senhor ainda vive, e fico feliz por sua família. Não conheço um único poeta relevante no país que o listaria como influência ou marco, mas o país é grande. Um dos jornais brasileiros diz que foi convidado como ensaísta, diminuindo para dois o número de poetas. “Pelo menos” são Menezes e Aleixo. Tenho certeza de que Sant’Anna (ainda que eu preferisse outro, chamado Sérgio) cumprirá seu papel com profissionalismo, ao lado de sua esposa, Marina Colasanti, que também foi convidada, numa coincidência feliz para o casal.

Pessoalmente, gostaria de acreditar que Augusto de Campos, um dos maiores poetas vivos da língua e com tradução para o francês, foi convidado porém recusou por motivos pessoais. Se Dalton Trevisan não dá entrevistas, lá vai ser fotografado bebericando um espresso no Les Deux Magots? E não nutria grandes esperanças de que convidassem Leonardo Fróes. O que houve para que autoras como Marcia Denser, Ana Maria Gonçalves e Veronica Stigger não fossem convidadas, mas a excelente atriz e repentina escritora Fernanda Torres fosse, pertence aos mistérios do mundo.

Uma página francesa celebrou “nossa” vinda com a foto de três belas mulheres de biquíni segurando nossa bandeira em uma praia que, aposto, deve ser no Rio de Janeiro. Mas essa vergonha é dos franceses, não nossa. Despeço-me aqui, para ir ler os habitantes do meu Brasil literário. Alguns deles, poucos mas certos, irão a Paris.

Data

quarta-feira 10.12.2014 | 13:26

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