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Dez anos da Verlagshaus Berlin

No atual sistema literário, em que editoras grandes cada vez mais são guiadas pelas regras do mercado, abandonando parâmetros estéticos e mesmo políticos para suas escolhas, celebrar pequenas editoras independentes, que buscam se manter em meio ao turbilhão decadente dos grandes conglomerados editoriais, é não apenas importante como imprescindível para a sobrevivência de projetos estéticos mais arrojados, tidos como difíceis, não-comercializáveis. Para um poeta, é obviamente uma questão de comunicação ou silêncio, já que casas editoriais grandes cada vez menos se arriscam a publicar poesia e, quando o fazem, recorrem aos nomes já consagrados ou a projetos simplórios de figuras que já alcançaram um público em outros campos, especialmente o do entretenimento, como a comédia ou a música comercial.

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Editores da Verlagshaus Berlin (Foto: divulgação)

Nas próximas semanas, intercalados a resenhas e outros debates neste espaço, procurarei apresentar em textos o trabalho de algumas editoras independentes no Brasil e na Alemanha, que têm nos doado verdadeiros presentes em meio à enxurrada de baboseiras do mercado editorial. Se começo esta série com um retrato de minha editora alemã, não é apenas por questão de lealdade, mas porque me parece uma casa, verdadeira casa para seus autores, que tem causado um impacto na cena poética do país, e com um editor à frente com quem aprendi bastante como escritor. A editora, chamada Verlagshaus Berlin (antes Verlagshaus J. Frank), além disso, comemora esta semana seu décimo aniversário, e lançou-se a uma turnê de dez cidades em três países de língua alemã: Áustria, Alemanha e Suíça, num pequeno ônibus composto pelos editores, designers gráficos e vários dos poetas da casa. Uma experiência, creio, que não é frequente nem no Brasil nem na Alemanha.

Fundada em 2005 pelo escritor Johannes CS Frank e pelos designers gráficos Andrea Schmidt e Dominik Ziller, o trabalho da editora concentra-se em poesia, contos e arte visual, com graphic novels e trabalhos de ilustradores. Não são exatamente os campos mais lucrativos do mercado editorial. Com uma abordagem poética que por vezes tem sido polêmica, a editora mantém um foco claro em trabalhos que se arriscam no atual contexto da literatura alemã, com um claro desejo de intervenção não apenas poética como política, contra o que lhes parece um formalismo e experimentalismo por vezes estéreis na cena literária do país. Há uma antologia do poeta alemão Helmut Heissenbüttel, cujo título talvez ilustre esta preocupação estética e ética: Das Sagbare sagen, ou, dizer o dizível. Isso tem um paralelo interessante com os debates literários brasileiros dos últimos dez anos, em que se discutiu a politização da literatura, se os escritores têm ou não responsabilidades como intelectuais públicos, que usam uma matéria prima que, por sua vez, não é privada, mas comum, comunitária: a língua.

Com escritores de várias gerações, como Eberhard Häfner (1941), Jan Kuhlbrodt (1966), Swantje Lichtenstein (1970) e Max Czollek (1987) [ver meu artigo “Sobre a poesia de Max Czollek”], a editora tem se dedicado a lançar na Alemanha poetas contemporâneos de outros países, como o mexicano Julián Herbert, a indonésia Dorothea Rosa Herliany e a israelense Tal Nitzán (lançada no Brasil em 2013 por outra corajosa editora independente, a Lumme Editor, de São Paulo, no volume O Ponto da Ternura), e a recolocar em circulação trabalhos de poetas consagrados que não haviam ainda sido traduzidos em alemão, como a primeira antologia alemã do inglês Wilfred Owen (1893-1918), poemas do espólio do grego Konstantínos Kaváfis (1863-1933) que haviam ficado de fora de suas obras completas, e ainda uma peça inédita em alemão do russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930). Para 2017, a editora planeja lançar a primeira antologia poética de Hilda Hilst (1930-2004) no país.

Por fim, há uma coisa que foi muito importante para mim, como escritor, ao trabalhar com a Verlagshaus Berlin e, especialmente, com o editor Johannes CS Frank – também poeta, que respeito imensamente. Poucas vezes vi meu trabalho tratado com tamanho cuidado no processo de edição do livro. Foram vários encontros nos quais ele discutia certos poemas verso por verso, fazendo perguntas para compreender se as escolhas ali apresentadas vinham da tradutora, Odile Kennel, ou se estavam no original, fazendo sugestões de corte, de mudanças. Nem sempre concordamos, mas a discussão foi uma das mais frutíferas que já tive, algo não muito frequente no Brasil. Trata-se de uma abordagem talvez old school para a função e, por que não?, a arte do editor como editor.

A melhor literatura brasileira e alemã, parece-me, está hoje nas mãos de pequenas editoras independentes, que se arriscam a navegar as águas pouco estéticas do mercado. Com seu trabalho como editores, agentes, divulgadores, realmente apaixonados pela poesia e pela prosa, os três corajosos da Verlagshaus Berlin recebem aqui o meu aplauso por seus dez anos de intrepidez.

Data

sexta-feira 29.05.2015 | 04:56

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