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Quem nós lemos?

Há uma lista dos lançamentos editoriais de 2017 circulando pela rede, organizada por Daniel Dago, que faz um trabalho muito bom neste campo de divulgação, não apenas da literatura holandesa, da qual traduz, mas de todos os lançamentos que circulam, entre grandes e pequenas editoras. A ‘Gazeta do Povo’ republicou a lista, que tem 427 títulos previstos para este ano [“De Elena Ferrante a Bob Dylan: veja 427 livros que devem sair no Brasil em 2017”, Gazeta do Povo, 17.01.17]. É uma lista impressionante, grandes autores devem chegar ou voltar ao país. Há, por exemplo, o relançamento de autores brasileiros como Mário Palmério e Campos de Carvalho. A chegada da poesia reunida de Hilda Hilst. Livro de Alice Munro, a ganhadora do Prêmio Nobel em 2013. A correspondência entre os japoneses Yukio Mishima e Yasunari Kawabata, ganhador do Nobel em 1968. Há russos menos conhecidos sendo também traduzidos, como Alexander Afanássiev e Ievguêni Zamiátin.

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É tudo muito bom. Mas não consigo deixar de notar uma coisa: entre as traduções, é possível contar nos dedos os autores que não são norte-americanos ou europeus. Mesmo o número de hispano-americanos é bastante pequeno. Não é um ataque, nem tentativa de estragar a festa. Eu mesmo falo apenas línguas impostas por colonizadores e estou trabalhando na tradução de um livro alemão. Mas é um círculo vicioso. Como podemos reclamar que os do Norte não leem brasileiros ou hispano-americanos, se nós mesmos damos atenção apenas a norte-americanos e europeus? Não pude, por exemplo, identificar um único autor de língua árabe. E não estamos falando de uma língua minoritária. É a língua materna de meio bilhão de pessoas, e usada de forma litúrgica por quase 2 bilhões. É uma das seis línguas oficiais nas reuniões da Organização das Nações Unidas. Para o mercado editorial brasileiro, parece não existir. Ou será apenas uma questão de oferta e demanda? Mas onde começa o círculo? Não há a demanda, portanto não há a oferta? A literatura em geral funciona dessa forma? Qual é o papel do jornalismo cultural, do mercado editorial, da crítica e da tradução nisso tudo?

É possível que seja a dificuldade da tradução. Há menos tradutores do árabe do que tradutores do inglês. Mas mesmo os grandes autores árabes francófonos parecem distantes das nossas conversas. Precisamos então encarar o fato de que há simplesmente menos interesse de nossa parte por literaturas, culturas e línguas que não sejam as da América do Norte e da Europa. Se este é o fato, como vamos reclamar que o o público do norte apenas leia os seus autores, se nós mesmos apenas lemos norte-americanos e europeus? E esse desinteresse parece ser identificável em todas as camadas da República. Dos leitores àqueles que deveriam estar à frente da cultura na posição geopolítica do país. Pensem nisso: desde 2009, quando houve a primeira reunião oficial do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), com Luiz Inácio Lula da Silva, Dimitri Medvedev, Manmohan Singh e Hu Jintao em Yekaterimburgo, na Rússia, e desde a chegada da África do Sul, formando o BRICS, quais esforços foram feitos para uma maior aproximação cultural entre os países? Estamos falando de cinco das maiores nações do mundo, com laços diplomáticos de união. Algum encontro de escritores dos cinco países? Uma antologia dos poetas modernos, de cada país, lançado em cada um dos outros? Não que eu saiba. Enquanto isso, os Estados Unidos continuam sabendo muito bem qual é a importância de sua língua oficial, de sua literatura, e de sua cultura em geral para a manutenção de seus interesses econômicos e geopolíticos. Nós que o digamos. Não paramos de lê-los.

Data

quarta-feira 18.01.2017 | 11:23

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