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O Brasil profundo e os outros Brasis – a morte de Ariano Suassuna

Acabo de encerrar e enviar um artigo sobre Suassuna para o caderno de cultura da Deutsche Welle, mas gostaria de retomar alguns pontos aqui, de cunho mais pessoal, que ficariam deslocados no artigo ligeiramente mais sóbrio para o jornal.

Meu primeiro contato com Suassuna foi através de suas polêmicas de cunho nacionalista. Eram meados da década de 90 e eu, tendo retornado dos meus estudos nos Estados Unidos um tanto inflamado em meu nacionalismo, estava fascinado com o trabalho de Chico Science & Nação Zumbi. O que me fascinava, no entanto, não eram tanto as guitarras quanto os tambores, menos o rock que o maracatu. Graças a Chico Science, descobríamos elementos da cultura pernambucana e do Nordeste novamente no sul. Os ataques de Suassuna ao Manguebeat me incomodavam, porque eu via no movimento seus aspectos de brasilidade e modernidade, como no Tropicalismo. A sensação era de que certas pesquisas estéticas abortadas pelo advento da Ditadura Militar talvez estivessem aos poucos sendo retomadas com a redemocratização do país. Naquele momento, portanto, Ariano Suassuna me parecia uma figura menos arcaica que arcaizante. Alguém que, apesar de seus méritos, afundava em sua própria intransigência. Eu era muito jovem e caía no mesmo discurso dualista que imperava na imprensa e nas polêmicas.

Então veio a morte trágica de Chico Science em 1997, e muito se comentou à época sobre Ariano Suassuna no velório, desconsolado, chorando a morte do jovem. Para alguns, parecia haver um tom de vingança na forma como comentavam sobre isso. Para mim, aquilo serviu como uma lição: as coisas por aqui são muito mais complicadas e complexas do que aparentam ser.

Que Pernambuco comportasse naquela década uma figura como Ariano Suassuna e outra como Chico Science, apesar das óbvias diferenças geracionais e aparentes diferenças estéticas, era uma demonstração de pujança na cultura do estado, da região e do país. Não se precisa parar por aí. Basta pensarmos que Ariano Suassuna, nascido na Paraíba em 1927, era contemporâneo exato de Décio Pignatari, nascido em São Paulo no mesmo ano. Figuras emblemáticas de aspectos distintos do Brasil, ainda que Suassuna talvez  os visse como manifestações de facções opostas, o rural e o urbano. A visão estética e política de Suassuna não pode ser do retirada facilmente dos embates políticos do seu tempo, em especial os que circundaram o Golpe de 1930.

Ariano Suassuna era, não se pode esquecer, um membro da elite do Nordeste. Da mesma elite que deu ao Brasil figuras como Manuel Bandeira, Gilberto Freyre e João Cabral de Melo Neto. Suas referências à grande família por vezes me incomodavam mais que suas declarações estéticas. Como neto de caboclos pobres do interior paulista e imigrantes analfabetos da Catalunha e Calábria, minha reação a isso era a mesma que tinha a certas falas dos quatrocentões paulistanos. Mas Suassuna tinha consciência disso. Em sua entrevista ao programa Roda Viva em 2012, é muito comovedor quando relata o momento em que percebeu que, na sua mítica batalha imaginada entre as forças rurais de seu pai, João Suassuna, e as forças urbanas de João Pessoa, mais uma vez desenrolava-se no Brasil o embate entre elites, entre as forcas abastadas de um lado e as forças abastadas do outro. Foi com Euclides da Cunha e Os Sertões que ele percebeu o grande embate real, entre o Sertão do interior e o Sertão da rua do Ouvidor. Entre uma elite e o resto do país, que não se entendem. Homens como Suassuna, Cabral, Bandeira e Freyre poderiam facilmente ter seguido carreiras políticas, de comando, algo destinado aos filhos das elites. Que tenham escolhido a poesia, o teatro, a literatura demonstra o quanto perceberam os verdadeiros embates do país, e suas obras deixam claro de que lado queriam lutar.

Rejeitar por completo o projeto estético de Ariano Suassuna é cair na mesma armadilha retórica do “quem não está comigo, está contra mim” que tanto se critica nele. E demonstra o quanto o debate estético por vezes se assemelha ao debate político, não por filiações patidárias dos artistas, mas na sua estrutura intrínseca, denotando o mesmo anseio por hegemonia.

Pensando hoje em Suassuna e Science, percebo que o que sempre me atraiu em Ariano foi sua mestiçagem de linguagens, sua modernidade. Como escrevi no artigo para a Deutsche Welle, o Romance d´A Pedra do Reino é uma das últimas grandes obras do modernismo brasileiro, com sua mescla de gêneros, seu uso de formas da literatura medieval das línguas latinas, sua narratividade fincada na tradição oral ibérica e brasileira.

Nestes aspectos, ele se liga tanto ao Mário de Andrade e seu uso da rapsódia em Macunaíma (1928) como a João Guimarães Rosa e seu uso da canção de gesta em Grande Sertão: Veredas (1956). São textos ainda ligados a um anseio épico no sentido de criação de mitos fundacionais para o país. Por sua vez, em Science o que me fascinava era o arcaico. Menos as guitarras que os tambores, como já disse no início deste texto. Foram estes elementos tradicionais que impediram que Chico Science fosse apenas mais um pseudo-roqueiro como os que há às pencas pelo país.

Quando penso em todos estes artistas: Ariano Suassuna, Mário de Andrade, Caetano Veloso, Glauber Rocha ou Chico Science, vejo muito mais o que os une que o que os separa. Em todos, uns mais conscientes que outros, parecia queimar certo fogo sebastianista. Ainda assim, suas diferenças, mesmo suas polêmicas, deveriam ser benvindas, se passássemos a ver as relações culturais do país mais como ecossistema do que selva – com sua lei do mais forte, ou do que grita mais alto.

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quinta-feira 24.07.2014 | 11:32

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Sobre a poesia de Max Czollek

Conheci Max Czollek e seu trabalho em 2012, no lançamento de seu livro de estreia, intitulado Druckkammern (Berlin: Verlagshaus J. Frank, 2012), algo como “câmera de descompressão”. O evento ocorreu na Literaturwerkstatt Berlin (Oficina de Literatura de Berlim), com apresentação de Jan Kuhlbrodt, e eu fui para conhecer o trabalho de um jovem autor daquela que se tornaria, no ano seguinte, a minha própria editora na Alemanha. Seu trabalho imediatamente me chamou atenção e me pareceu diferente do trabalho dos poetas alemães da minha geração, ou ao menos apontar para um caminho distinto do que vinha sendo seguido na cena literária da cidade. Aqui cabem algumas considerações biográficas: Max Czollek nasceu em Berlim, em 1987. É exatamente dez anos mais jovem que eu. O fato de nascer em Berlim é também algo interessante, já que a cena literária da cidade é fortemente marcada por escritores vindos de outras partes da Alemanha. É comum até mesmo que pessoas se espantem quando conhecem berlinenses nativos. Parecem raros em certos círculos.

max czollekCom a Queda do Muro, Berlim tornou-se o centro cultural e literário do país, desbancando Colônia e Munique, que atraíam a intelectualidade da Alemanha Ocidental à época da divisão. Frankfurt tinha seu nome no cenário por sediar a maior Feira Literária do mundo e ser a cidade também da maior editora do país, a Suhrkamp. Mas eram Colônia e Munique os centros principais das cenas literárias. A Alemanha Oriental contava com sua capital na Berlim dividida, o que sempre fez da cidade um ponto importante para a intelectualidade da Alemanha comunista. Leipzig e Dresden reuniam também uma cena literária, mas era na capital que intelectuais como Bertolt Brecht e Heiner Müller se moviam. No campo ainda de fatores biográficos específicos, Max Czollek nasceu no seio de uma família da pequena comunidade judaica restante no país. Naquela primeira leitura que presenciei, o poeta leu textos marcados pela tradição poética iídiche, usando mesmo palavras do iídiche, o que me pareceu historicamente não apenas interessante, como comovente.

Trata-se de um belo livro de estreia, publicado quando o poeta tinha 25 anos. O que o distingue ainda de muitos poetas das gerações anteriores é sua rede de referências literárias. Sua poesia dialoga com o que já chamei em vários artigos de ala telúrica da poesia germânica. Sua literatura ao rés do chão, de pés no chão. Não a ala órfica e mística de Novalis, Rilke e Trakl, mas a de Heine, Brecht e, entre os poetas do pós-Guerra, o excelente Thomas Brasch (1945 – 2001), que também pertence a esta família literária. Max Czollek dá também grande importância a um poeta que, mesmo que editado e estudado nas escolas, não é muito privilegiado entre poetas: o escritor judeu Kurt Tucholsky (1890 – 1935), que trabalhou como jornalista, satirista e poeta. São referências que não vinham sendo privilegiadas no debate literário alemão, em parte pelos traumas políticos do período do Muro. A ditadura sob a qual o país viveu foi um regime comunista, e a filiação partidária destes autores os tornava, de certa forma, suspeitos. Para nós brasileiros, onde a ala telúrica da poesia de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto foi mais influente que a ala órfica de Jorge de Lima e Murilo Mendes (que no entanto se transformou nos últimos livros), a poesia de Czollek poderia parecer muito familiar. Outra diferença é que nós brasileiros vivemos sob uma ditadura militar de direita.

Em um poema que dialoga com Brecht, Czollek mostra muito de sua poética. O texto de Brecht chama-se “an die nachgeborenen”, geralmente traduzido ao português como “aos que vão nascer”. Neste, Brecht escreve na primeira estrofe da segunda parte, aqui em tradução de Paulo César de Souza:

“À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.”

Brecht escrevia do centro dos horrores do Terceiro Reich. Agora que aquele horror acabou e vivemos os nossos próprios, Czollek escreve seu poema e dirige-se “an einen vorgeborenen” (àquele que nasceu antes), ao próprio Brecht:

àquele que nasceu antes

 

  1. cheguei às cidades à hora
    das bodas quando
    ali a alegria imperava
    entre os homens

    eu dancei com eles

    dormi entre os mudos
    sem língua a boca cheia
    entupida de pontes

    a força dos meus braços
    foi-se em malas
    carreguei o medo

    II.

    é verdade
    mergulhei no mar cheio
    perdi nisso os cabelos

    carregado pela sorte
    quando isso falhou
    eu estava de partida

    a esperança magra feito folha
    na mata (eu falo de árvores
    eu falo)

    e não encontro o caminho
    para as casas de ar

    III.

    de verdade vivo em tempos
    em que os infelizes nem
    choram mais nós somente
    escrevemos adiante – por todo
    lado os dedos em gatilhos quem
    pode seguir simpático de que
    adianta por que nos tornamos
    ao fim do oceano ártico

    aonde levavam as ruas
    para o meu tempo

Max Czollek, Druckkammern, Verlagshaus J. Frank, 2012)

A tradução é minha. Nos seus mais recentes poemas Max Czollek vem firmando sua assinatura, em poemas muito bonitos, diretos e despertos, que espero poder traduzir em breve. Tenho certeza que seu próximo livro apenas tornará mais clara sua posição entre os poetas de mão firme da nova geração.

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terça-feira 22.07.2014 | 07:05

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Kurt Schwitters em nova tradução no Brasil

kurt

A editora da Universidade Federal de Santa Catarina acaba de lançar no Brasil a tradução de Maria Aparecida Barbosa para uma série de poemas, contos e outros textos inclassificáveis do poeta e artista visual alemão Kurt Schwitters. Intitulado Contos Mércio na escolha da tradutora para verter ao português o famoso e difícil Merz de Schwitters, o livro traz poemas visuais, caligráficos, contos, a partitura de sua Ursonate (1922) – um dos mais conhecidos poemas sonoros do século XX – e uma variedade de trabalhos escritos ao longo de toda a carreira de Schwitters, que iniciou sua escrita ligado ao grupo dadaísta berlinense, com Raoul Hausman, Hannah Höch e John Heartfield, entre outros.

Veronica Stigger escreveu um belo artigo sobre o alemão para o jornal O Globo, e o volume foi saudado por poetas experimentais contemporâneos como Guilherme Mansur. Ainda não pude ter em mãos a edição, que parece muito bem cuidada, mas sua aparição este ano no Brasil deve ser saudada por dois motivos históricos.

Ainda que o mais independente dos artistas ligados ao movimento DADA, a obra de Schwitters não pode ser pensada inicialmente fora dele. Como se sabe, o movimento começou com um grupo de artistas exilados na Suíça por causa dos horrores da Grande Guerra, cujo centenário se comemora este ano. Em 1916, em Zurique, os alemães Hugo Ball, Emmy Hennings, Hans Arp, Richard Huelsenbeck e Hans Richter, ao lado dos romenos Trista Tzara e Marcel Janco e ainda a suíça Sophie Täuber começaram suas performances em um bar do centro da cidade, chamando-o de Cabaret Voltaire. Mais que um movimento de experimentação artística, o que certamente foi, o trabalho dos dadaístas se queria um protesto contra os massacres da guerra e a mentalidade militarista europeia. Menos que defender uma utopia política, estes artistas se voltavam contra o mundo distópico e destrutivo ao seu redor, em seu tempo histórico.

Não apenas como parte das rememorações da Primeira Grande Guerra, este volume pode nos ajudar a contemplar a obra de artistas engajados contra o militarismo, mostrando-os possibilidade de resistência em nosso próprio momento histórico, mais uma vez – como sempre – mergulhado no pesadelo bélico de guerras civis na Síria, Ucrânia e Iraque, além do conflito entre israelenses e palestinos. Para um brasileiro, além disso, no momento em que se discute com força cada vez maior a necessidade de desmilitarizar a polícia no país, com presos políticos mais uma vez sendo encarcerados na República, artistas como Kurt Schwitters são guias para nossas estratégias de desarticulação dos discursos oficiais do governo e da imprensa institucional. É neste espírito que celebro o retorno de Schwitters à língua portuguesa.

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sexta-feira 18.07.2014 | 04:55

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Superávit & Déficit – A balança comercial da cultura brasileira contemporânea

Eu ainda me lembro claramente de uma camiseta que o namorado de minha irmã costumava usar na década de 1980, quando eu ainda era criança. Na frente, ela carregava o bordão da Ditadura Militar: “Ame-o ou deixe-o”, com uma bandeira do Brasil. Era copiado dos amercanos, como em tantos de seus crimes.  Atrás, no entanto, ela tinha o desenho de um avião e, em letras garrafais, CUMBICA, com duas mãos apontando em forma de setas a opção a seguir. Eu acredito que esta camiseta foi meu primeiro contato com as possibilidades de sátira política através da língua. Na música, era o tempo do rock brasileiro de bandas como Legião Urbana, expondo as placas dos nossos becos sem saída. É claro que nosso complexo de vira-lata, como se diz, vem de mais longe. Mas naquele momento, sair do país, emigrar para os Estados Unidos ou a Europa, era a alternativa para uma geração que se viu enclausurada na “década perdida”. O filme de Walter Salles, Terra Estrangeira (1995), mostra como isso perdurou após a redemocratização. Os anos de hiperinflação, dos sucessivos planos econômicos que terminavam em desastre. A época do “sai ministro, entra ministro”. O Brasil nos parecia uma piada de mau gosto, algo constrangedor. A cena do filme de Salles, quando a personagem de Fernanda Torres tenta vender seu passaporte brasileiro no mercado negro e recebe a oferta de apenas 300 dólares, mostra bem o sentimento da época. “Mas é novo em folha!”, ao que o contrabandista responde: “É brasileiro”.

Nós sabíamos que tínhamos alguns motivos de orgulho, algum tipo de orgulho. Sabíamos que nossa música era bela, original. Que nas artes e no esporte alguns brasileiros podiam ser fonte de alegria para o mundo. Mas tudo parecia uma promessa falida, e não era muito claro de quem era a culpa, ainda que soubéssemos da responsabilidade de nossos dirigentes, militares e civis. Havia uma nostalgia tanto por Carmen Miranda como por Tom Jobim, aqueles brasileiros que haviam encantado o Império. Entre prosadores e poetas, sabíamos desde a Poesia Concreta que os brasileiros podiam sim ser ponta de lança. Que, se estrangeiros ao menos descobrissem Machado de Assis, veriam o que as mazelas daquela terra podiam produzir.

Na década de 90, com a estabilização da economia após o Plano Real, houve uma transformação que certamente descobriremos um dia ter sido mais coordenada pelo Planalto que se imagina. Mas ocorreu. De repente, meninos de classe média-alta se entregavam à capoeira como seria impensável uma década antes. O samba se tornava coisa para gente culta. A propaganda brasileira passava a exaltar as belezas nacionais. Em 1994, ano do Plano Real, o Brasil é convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt. Em 1998, do Salão do Livro de Paris. Na música, surge o Manguebeat de Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Mestre Ambrósio, e a esperança de que certos desenvolvimentos da cultura popular tolhidos pelo Golpe de 64 poderiam ser retomados. Na literatura brasileira da época, no entanto, foi um período de certo absenteísmo histórico e contextual. O nacionalismo dos Modernistas de 22 parecia algo cafona, a ser superado. Resenhando a antologia de poesia brasileira publicada nos Estados Unidos, Nothing The Sun Could Not Explain: 20 Contemporary Brazilian Poets, um crítico americano reclamava que os textos poderiam ter sido escritos em qualquer lugar, e recomendava como comparação a leitura de “A Mesa”, de Carlos Drummond de Andrade, numa antologia também recém lançada nos Estados Unidos à época. Havia nisso, é claro, certa expectativa de exotismo por parte do americano, mas ele tocava em um ponto que estava realmente presente na mentalidade literária da época. Os traumas dos dualismos de esquerda e direita da Ditadura haviam deixado marcas na literatura, e certo desejo de poder habitar apenas o mundo da imaginação.

É ingênuo não perceber a influência que um momento econômico tem sobre a percepção estrangeira da arte de um país. A ascendência econômica dos Estados Unidos e sua influência cultural estão intimamente ligadas. Washington sabe muito bem como usar Hollywood.

Nos últimos anos, o economia brasileira superou a inglesa e a francesa. A presença cultural brasileira no mundo talvez jamais tenha sido tão forte. Na última década o Brasil foi o convidado da Feira do Livro de Frankfurt uma vez mais, e o país-tema do festival Europalia, na Bélgica, trazendo dezenas de artistas, escritores e músicos para o continente. O Museu de Arte Moderna de Frankfurt organizou a primeira grande retrospectiva da obra de Hélio Oiticica. Neste exato momento, os Estados Unidos veem a primeira grande retrospectiva de Lygia Clark no MoMA, que traz ainda a mostra On the Edge: Brazilian Film Experiments of the 1960s and Early 1970s, exibindo filmes de Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, Carlos Vergara, José Mojica Marins, Antonio Dias e outros. No Guggenheim, também em Nova Iorque, uma exposição de arte contemporânea latino-americana, chamada Under The Same Sun: Latin-American Art Today, é marcada pela presença de brasileiros, trazendo trabalhos de Paulo Bruscky, Rivane Neuenschwander, Adriano Costa, Jonathas de Andrade, Erika Verzutti e Tamar Guimarães. Apesar de inúmeras críticas, a Bienal de São Paulo segue sendo importante, muito mais que a de Berlim. Traduções nos últimos anos, de escritores brasileiros, levaram Machado de Assis à lista de autores favoritos de intelectuais como Susan Sontag, Woody Allen e Harold Bloom, para citar três nomes bastante variados. Primeiro descoberta na França, a biografia do americano Benjamin Moser e as novas traduções lançadas nos Estados Unidos e Inglaterra fizeram de Clarice Lispector um dos nomes mais comentados dos cadernos culturais de língua inglesa, e, numa entrevista recente, a jovem escritora americana Kate Zambreno citou A Hora da Estrela (1977) como um dos livros de maior influência sobre a escrita de seu mais recente romance, Green Girl (2014). A coletânea de poemas Rilke Shake (2007), de Angélica Freitas, foi traduzida e lançada na Alemanha e nos Estados Unidos. Carlos Drummond de Andrade será relançado pela Penguin, em tradução de Richard Zenith. Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, esgotou um par de edições na Alemanha, em tradução de Berthold Zilly. Jorge Amado tem sido reeditada na Alemanha, após ter grande sucesso aqui entre os anos 1960 e 1980. Sob a empreitada de Aníbal Cristobo, a poesia brasileira contemporânea se insere no mundo hispânico, com suas traduções para livros de Paulo Leminski, Arnaldo Antunes, Marcos Siscar e, futuramente, Marília Garcia e Luca Argel. A música brasileira chegou mesmo à rede da  música pop internacional com as bandas paulistanas Cansei De Ser Sexy e Bonde do Rolê.

São, como se pode ver, fenômenos variadíssimos em escopo e alcance. Talvez o Brasil tenha percebido que uma presença política séria no mundo passa pela inserção de sua cultura em outras plagas. Ao mesmo tempo, mal escrevo isso e percebo como isso pode soar mero imperialismo capenga, algo que o Brasil não sabe por vezes reprimir. Mas talvez a resposta especificamente brasileira a algumas questões que passam por tantas culturas possa começar a se fazer ouvir cada vez mais no mundo, aquele de tantos problemas compartilhados.

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segunda-feira 14.07.2014 | 09:33

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Autores alemães e sua influência no Brasil

Quando se pensa na literatura brasileira e em sua relação com as literaturas de outras nações, percebe-se que ela trilhou caminhos parecidos aos de outros países do continente americano. A literatura latino-americana sempre teve uma tendência francófila. Foi em Paris que César Vallejo sonhou sua morte con aguacero, e foi na mesma cidade que Paulo Prado afirma que Oswald de Andrade descobriu o Brasil. Escritores brasileiros importantes dedicaram-se à tradução de franceses, como Marcel Proust, vertido ao português por Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade, e a poesia francesa teve um papel importante até meados da década de 1950, quando pensamos na posição central que o Grupo Noigandres dedica a Stéphane Mallarmé. O idioma francês, lingua franca de cortes e cenas literárias por muito tempo, estendeu sua influência ao simbolismo russo de Alexander Blok, do brasileiro Cruz e Sousa, e o surrealismo deixou sua marca em literaturas do mundo todo, especialmente na latino-americana, ainda que tenha tido menores adeptos no Brasil.

A partir da década de 1950, especialmente com os Beats norte-americanos e a ascendência política dos Estados Unidos no pós-guerra, este papel começou a ser tomado pela língua inglesa. Já se escreveu muito na crítica de arte sobre a transferência da Capital Cultural do mundo no pós-guerra, de Paris para Nova York. Na literatura, a mudança foi a mesma. Muitos escritores contemporâneos brasileiros, especialmente poetas, mantêm uma relação importante com a literatura francesa, como vemos no trabalho que Carlito Azevedo, que divulgou no Brasil autores do século 21, como Christophe Tarkos e Natalie Quintane. Marília Garcia, por sua vez, mantem um trabalho de pesquisa pioneiro sobre a poesia de Emmanuel Hocquard. A literatura norte-americana, no entanto, parece comandar a atenção da maior parte dos autores brasileiros contemporâneos.

Agora qual o papel da literatura alemã no diálogo de autores brasileiros com estrangeiros? Os alemães tiveram seu primeiro momento de grande influência literária com seu Romantismo, certamente. Goethe e Heinrich Heine tiveram seus admiradores no país. Machado de Assis e Fagundes Varela traduziram Heine, e Castro Alves se basearia no poema “Das Sklavenschiff” (1853) para a composição de seu poema mais famoso, “O Navio Negreiro” (1869). Manuel Bandeira traduziria ainda, além de Goethe e Heine, peças como Maria Stuart, de Schiller. Também o expressionismo germânico encontrou seus divulgadores no Brasil, com Georg Trakl traduzido por André Vallias, por exemplo, que há poucos anos deu à língua portuguesa também seu Heinrich Heine definitivo, em traduções verdadeiramente geniais para poemas do alemão em português. Augusto de Campos traduziu com admiração August Stramm, outro expressionista até então pouco discutido no Brasil, e dedicou-se a traduções novas de poemas de Rainer Maria Rilke e de autores especialmente difíceis, como Arno Holz e Quirinus Kuhlman.

 Do modernismo alemão, certamente o autor mais influente no Brasil foi Bertolt Brecht, em especial no teatro. Dentre os romancistas, Thomas Mann foi traduzido e muito lido, como em todo o mundo, mas não se pode dizer que tenha deixado marcas. O maior romance do Modernismo alemão e talvez uma das obras mais experimentais da língua alemã, Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred Döblin, jamais parece ter encontrado a mesma acolhida de culto das obras do austríaco Robert Musil, por exemplo.

 Os poetas concretos estabeleceram pela primeira vez um diálogo mais forte e direto com a literatura alemã a partir da fundação do movimento da Poesia Concreta. Na Alemanha, fala-se sobre a dupla nacionalidade da poesia concreta com mais frequência que no Brasil. Os diálogos de Eugen Gomringer e Max Bense com Haroldo de Campos e Décio Pignatari são momentos altos da relação entre as literaturas das duas línguas, e o livro Inteligência Brasileira, de Bense, é um belo momento de encontro entre duas culturas. Mas além da relação do Grupo de 45 com a ala mais órfica da poesia germânica, com seu culto a Rilke, e a relação do Grupo Noigandres com sua ala mais construtivista, muitos autores interessantes e amplamente conhecidos, amados e lidos na Alemanha permanecem completamente desconhecidos no Brasil.

 Talvez um dos exemplos mais gritantes seja o poeta Rolf Dieter Brinkmann (1940–1975). Brinkmann é um dos poetas mais populares da Alemanha. Tradutor de Frank O´Hara e introdutor na poesia alemã de certas técnicas que vinham dos Beats, sua poesia está entre aquelas que são apreciadas até mesmo (e talvez especialmente) pelos leitores menos contumazes de poesia. Sua vida e morte prematuras adicionam, é claro, pitadas de mito à sua popularidade. Morto em um atropelamento na cidade de Londres, quando voltava bêbado para casa após uma leitura, talvez ele exerça sobre os leitores alemães o mesmo charme que Paulo Leminski parece ter sobre alguns brasileiros, guardadas as devidas diferenças estilísticas entre suas obras. Mas mesmo Brinkmann flertou com a canção popular em seus poemas, ainda que em seu caso a prática o unisse à linhagem de Heine, quando a de Leminski estava na canção popular. No entanto, as traduções de André Vallias para Heine, usando a tradição do samba para ligar os versos de Heine à mente brasileira, mostram que a literatura brasileira e a alemã não precisam ser tão estrangeiras assim uma à outra.

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quinta-feira 10.07.2014 | 09:08

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