Relato de uma viagem à Ucrânia (1. Kiev)
Cheguei à Ucrânia em um voo vindo de Istambul na noite de 31 de agosto. Estou no país para participar, nos próximos dias, do festival Meridian Czernowitz, que tem sua base na cidade natal de Paul Celan e toma seu nome de um texto em prosa do poeta. Naquele dia, protestos diante do Parlamento por causa de uma emenda na Constituição, visando maior descentralização do Governo, acabaram em sangue. Uma granada lançada contra os policiais que protegiam o prédio deixara um morto já naquela noite. Desde então, o número de mortos subiu para três.
É minha primeira vez no país e estou aqui há apenas três dias. Não falo ucraniano ou russo, e dependo de meus anfitriões para quase tudo. Portanto, não é fácil escrever, nestas condições, sobre a situação em um país. Esta manhã, antes de iniciar este texto e após passar os últimos dias pensando sobre isso, vieram-me à mente algumas cartas de Elizabeth Bishop, escritas no Brasil para amigos nos Estados Unidos, como Robert Lowell, nas quais ela demonstra despreparo para compreender o país mesmo após anos vivendo nele. Tom Jobim escreveu que “o Brasil não é para principiantes”, e mesmo após duas décadas no país, Bishop não parece ter-se alçado muito acima deste estado, o de principiante. Apesar de alguns poemas bastante sensíveis, como “The pink dog”, sua visão do país não me parece ter jamais ido muito além do filtro que lhe davam os olhos Lota de Macedo Soares, artista que admiro, mas uma mulher com posições políticas bastante questionáveis. “Ideologia da percepção”, como escrevi em um ensaio há quase dez anos. Por isso, é com responsabilidade, cuidado e preocupação que anoto estas impressões da Ucrânia, baseado no que tenho ouvido de escritores aqui, mas também de amigos ucranianos nos últimos dois anos, desde que os conflitos começaram na Maidan Nezalezhnosti, ou Praça da Independência, em Kiev.
Naquela noite, fui ao supermercado com Evgenia Lopata, a organizadora e minha anfitriã, para comprarmos comida para as próximas horas, antes de partirmos para Carcóvia (Khakiv, no Leste do país), onde ocorreriam as primeiras leituras. A primeira coisa que um residente da Europa Ocidental percebe, neste caso, é o quanto a situação financeira do país parece estar em frangalhos. Um euro vale cerca de 25 grívnias (a moeda ucraniana). Desde então, continuo a me chocar com a desvalorização da moeda. Pergunto cerca de três vezes se estou ouvindo bem, sempre que me dizem o quanto acabei de gastar após comer uma refeição. Um exemplo: ontem, após tomar um café, comer dois hambúrgueres e um pedaço de bolo, gastei 35 grívnias, pouco mais de um euro. Mas, o que você me diria se eu informasse que o salário mínimo mensal no país está em cerca de 55 euros?
Na manhã seguinte, o fotógrafo amador Alexander Burlaka ofereceu-se para mostrar-me a cidade. Ele foi-me apresentado como Sasha, o apelido comum para Alexander, como o Chico de nossos Franciscos. Aos 21 anos, é já formado em economia, mas está desempregado. Extremamente gentil e conhecedor das ruas de Kiev, caminhamos do apartamento onde estava hospedado até a Praça da Independência, desta ao Mosteiro de São Miguel com suas cúpulas douradas e a um parque elevado de onde se pode ver o rio Deniépre (Dnipro). O rio nasce na região de Smolensk, cortando Rússia, Belarus e Ucrânia antes de desaguar no mar Negro. O rio define o que é oeste e leste na Ucrânia, e foi a linha que sempre dividiu o país entre suas guerras com a Rússia a leste e a Polônia a oeste.
É minha primeira vez em um país oficialmente em guerra. Enfatizo o “oficialmente”, pois brasileiros (e mexicanos, país onde já estive algumas vezes) vivem em estado de guerra de atrito civil há séculos. No entanto, caminhando pelas ruas de Kiev, não se pensaria que os mortos acumulam-se no leste. A cidade parece pacífica. As ruas estão limpas, mais limpas que nas afluentes cidades da Europa Ocidental. Não fossem os soldados, inúmeros soldados por todos os lados, seria fácil esquecer a guerra. E talvez um dos aspectos mais perturbadores desde que cheguei seja justamente a maneira como os ucranianos a oeste do conflito parecem querer justamente isso: esquecer a guerra. Falar sobre outra coisa, por favor, outra coisa. Poesia, o clima, os problemas de outros países, mas não a guerra. A reação é extremamente humana, mas não deixa de perturbar, quando se pensa na situação em Donetsk e Lugansk.
(continua)
Carta em Istambul a William Zeytounlian
Meu caro irmão pequeno, como diz Mário de Andrade naquele seu rito a Manuel Bandeira – “E quando a fadiga enfim nos livrar da aventura, / Irmão pequeno, estaremos tão simples, tão primários, / Que os nossos pensamentos serão vastos. / Graves e naturais, feito o rolar das águas” –, várias coisas eu quis dizer a você hoje, com quem me entendo por certo melhor do que com os que comigo compartem sangue, então venho por meio desta agora confessar que, ao sobrevoar e pousar em Istambul, era preso a você que ia meu pensamento, na mesma estranheza que geraria talvez um estrangeiro sobrevoando e pousando em Berlim com o pensamento firme e fixo em um amigo judeu, mesmo que nascido em São Paulo, Buenos Aires ou Nova York; e se me peguei chamando de Constantinopla a cidade, não foi por compartilhar com gregos nacionalistas de sua Megali Idea, sonhando reavivar um Império Bizantino e pan-helênico; muito menos por desejar insulto às tantas famílias muçulmanas há séculos chamando de lar este rincão de terra; tampouco por qualquer romantismo cafona de poeta apaixonado por outros poetas como Kaváfis, que era, de qualquer modo, natural de outra cidade grega tomada, Alexandria; mas pensando em você, jovem poeta e quiçá ateu paulistano, nascido no seio da diáspora daquele povo tradicionalmente chamado de os mais antigos cristãos da Europa, senti um peso e medo estranho, como se a qualquer momento uma reviravolta no tecido do tempo e do espaço pudesse colocá-lo em risco de morte nesta terra onde tantos de seu povo e mesmo de sua família foram mortos, como se o passado pudesse retornar e nos capturar a todos, como tantas vezes o faz, passado que sequer possui reconhecimento oficial nos livros de História deste país.
Mas por que precisaríamos de uma reviravolta no tecido do tempo e do espaço, se neste exato tempo e espaço tantos outros encontram-se ainda em perigo, logo além da fronteira ao norte. São talvez outros possíveis irmãos pequenos que jamais conheceremos, e que no entanto talvez pudessem perambular conosco um dia pelas ruas de São Paulo, ou Berlim, ou Istambul, ou Erevã, ou Arbil, discutindo nossos poetas preferidos, fossem brasileiros, alemães, turcos, armênios ou curdos. Nem sequer tenho realmente os pés oficialmente no país, estou em trânsito apenas, cercado por paredes de vidro neste aeroporto internacional Atatürk de Istambul, vidro que porém permite-me ver, de um lado, os minaretes das mesquitas que se erguem à distância na cidade, e do outro a água azulíssima do mar de Mármara. Não podendo deixar as dependências do aeroporto, à espera do voo que me levará a meu destino final em outra terra em conflito, na cidade de Kiev, murmuro entre os dentes o nome de Hagia Sophia, e esse nome espeta o céu como os minaretes que ora a decoram, e a sabedoria é justamente o que sempre nos faltou na Terra, me levando a pensar nesta basílica-mesquita como um símbolo dos malentendidos milenares entre cristãos e muçulmanos. Monoteístas jamais entenderão talvez nossa convivência e comoriência inevitáveis. Houvesse Abraão ficado em Ur, teríamos paz? Ou seriam outros os deuses comandando-nos à guerra e à matança? Nos corredores do aeroporto, os rostos cobertos de peles das quais emanam as refrações de luz mais diversas que já vi num aglomerado de gente, gente, gente que não acaba, e me lembro que sim, esta faixa de terra foi um dia a ponte que levou os primeiros povos a sair da África em direção à Europa e à Ásia, obedecendo a um deus de nome esquecido talvez, que ordenava: “Crescei, multiplicai-vos e colonizai-vos uns aos outros”. E talvez mais importante que Hagia Sophia, a basílica-mesquita, em um ponto deste mesmo país está Göbekli Tepe, ou o “Monte com umbigo”, que arqueólogos hoje creem ser o mais antigo templo já encontrado, anterior a nossos abraâmicos, nossos monoteístas. Por Deus! Anterior mesmo a nossa descoberta da agricultura.
E dizem que nas culturas neolíticas da antiga Anatólia, os mortos eram deliberadamente expostos aos abutres e só depois enterrados, e a cabeça, removida e guardada como lembrança dentro de casa, culto aos ancestrais. O quanto mudamos, realmente? Alguma Antígona hoje ergue a voz contra os que estão expostos a abutres nas cenas de guerra infindável mundo afora? Cá estou eu, em trânsito, a caminho de outra terra onde gente de fala distinta se digladia pelo controle da terra e de si. Estamos todos em trânsito, estamos todos em guerra. Com o sangue cabloco de minha mãe e o sangue catalão de meu pai, penso como somos todos filhos de povos subjugados, querendo ter capitais e línguas oficiais, e esta é apenas uma carta escrita em um aeroporto, deste seu irmão caboclo-catalão ao irmão pequeno, armênio-paulistano. E retorno ao “Rito do Irmão Pequeno” de Mário de Andrade a Manuel Bandeira para deixar que poeta melhor que eu encerre por mim esta carta: “Vamos caçar cotia, irmão pequeno, / Que teremos boas horas sem razão. / Já o vento soluçou na arapuca do mato / E o arco-da-velha já engoliu as virgens. // Não falarei uma palavra e você estará mudo / Enxergando na ceva a Europa trabalhar; / E o silêncio que traz a malícia do mato, / Completará o folhiço, erguendo as abusões”.
Istambul, 31 de agosto de 2015
O rio corre para sempre: homenagem a River Phoenix
Ontem, 23 de agosto de 2015, o ator norte-americano River Phoenix (1970-1993) teria completado 45 anos de idade. Ler a notícia me encheu de lembranças da infância e da adolescência. Não tenho palavras para descrever como fui obcecado por ele nas décadas de 1980 e início de 1990, até sua morte, quando eu tinha 16 anos e ele, 23. Alguns de seus filmes marcaram momentos da minha vida. Minha infância era cheia da nostalgia estranha de querer viver como em Stand by me (dir. Rob Reiner, 1986, lançado no Brasil como Conta comigo). Minha cidade natal, Bebedouro, tem um Horto Florestal e uma parte dele se chamava Água Branca, mítica, onde jamais pude ir porque era longe demais, e a cidade tem aqueles mesmos trilhos da velha estrada de ferro São Paulo-Goiaz, da Companhia Ferroviária Paulista, hoje desativada. Claude Lévi-Strauss fala dessas estradas de ferro paulistas em seu Tristes Trópicos (São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar).
Devo ter assistido mil vezes a Running on empty (dir. Sidney Lumet, 1988, lançado no Brasil como O peso de um passado). E, quando eu tinha 14 anos, Gus Van Sant lançou seu My Own Private Idaho (1991, lançado no Brasil como Garotos de programa), com River Phoenix e Keanu Reeves nos papéis principais, filme que teve um impacto gigantesco sobre minha adolescência. A famosa cena da fogueira no deserto, quando as personagens de Phoenix e Reeves estavam já a caminho de Idaho, me dava calafrios de beleza. Devo ter gastado a fita VHS em que gravei, de forma caseira, o filme. Segundo historiadores do cinema, a cena foi a última a ser gravada, por insistência de River Phoenix. É a melhor cena do filme, talvez. Mal sabia que viria a ter conversas parecidas na minha própria vida mais tarde.
“I could love someone even if I wasn’t paid for it. I love you and you don’t pay me.” – “Eu poderia amar alguém sem ser pago por isso. Eu amo você e você não me paga” talvez esteja entre as falas mais pungentes, desesperadas, ridículas e belas que já ouvi no cinema. É como no poema “Rue de Seine”, de Jacques Prévert, em que o francês descreve a briga entre dois amantes que ele entreouve naquela rua parisiense: “Pierre eu quero saber tudo / me diz a verdade/ pergunta grandiosa e estúpida”.
Pierre je veux tout savoir
dis-moi la vérité
question stupide et grandiose
É claro que muito da beleza da cena vem da performance delicada e comovente do ator. River Phoenix era sete anos mais velho que eu. Os três filmes que mencionei foram tão importantes em determinados momentos da minha vida que eu desenvolvera a fantasia de que Phoenix estaria para sempre lá, sete anos no futuro, mandando mensagens para mim em formato de filme, explicando como e o que devemos fazer em cada fase de nossa vida. Sua morte por overdose, na madrugada de 31 de outubro de 1993, me deixou de coração partido. Menciono River Phoenix em um poema de meu novo livro. Alguém precisa analisar o culto contemporâneo ao ator. Ele talvez seja nosso James Dean (1931-1955). Vários artistas, entre eles nosso Milton Nascimento, dedicaram trabalhos a River Phoenix, sempre expressando a mesma obsessão.
Descanse em paz, caro. Você continua no meu futuro. O rio corre para sempre.
Lorca, feliz, vivo
Hoje é aniversário da data, 19 de agosto de 1936, em que se acredita com maior certeza ter sido aquela em que o poeta, dramaturgo, artista visual e músico Federico García Lorca fora assassinado por franquistas nos arredores de Granada, em Alfacar, este nome que ainda faz soar em nossos ouvidos os tempos do al-Andalus, o império dos mouros na Península Ibérica, que arqueólogos e estudiosos hoje acreditam ter sido o mais glorioso e tolerante império da Europa moderna. Sem os muçulmanos do al-Andalus, não teríamos tido os gregos como fonte de nossa ocidentalidade, não da maneira e à época em que os tivemos.
Lorca foi, afinal, um dos grandes poetas da Andaluzia, o autor do Romanceiro cigano (1928). E o fim completo do al-Andalus veio justamente com a queda de Granada a 2 de janeiro de 1492 para os reis católicos de Castela e Aragão. Granada, a de nome árabe e judeu – os árabes a chamavam de Ġarnāṭah, os judeus de Gárnata –, a cidade de eleição do poeta, onde ele cresceria e seria então capturado em uma noite de desespero ao se esconder na casa de Luis Rosales, seu amigo franquista, crendo poder escapar das represálias que davam início à Guerra Civil Espanhola (1936-1939). E foi a conquista e invasão católica de Granada que daria início à formação da Espanha que conhecemos hoje, a Espanha que Lorca dissecaria em trabalhos como A casa de Bernarda Alba (1936), sua última peça teatral.
Em um século que primou por manifestos literários da vanguarda, hoje quase todos esquecidos, datados, de importância talvez mais histórica do que estética, é talvez o despretencioso “Juego y teoría del duende” de Lorca que ainda nos comove, sua distinção apaixonada entre os artistas leais à Musa, ao Anjo e ao duende.
“Anjo e musa vêm de fora; o anjo dá luzes e a musa dá formas (Hesíodo aprendeu com elas). Pão de ouro ou prega de túnicas, o poeta recebe normas no bosquezinho de lauréis. Ao contrário, o duende tem que ser despertado nas últimas moradas do sangue.
E rechaçar o anjo e dar um pontapé na musa, e perder o medo da fragrância de violetas que exala a poesia do século XVIII, e do grande telescópio em cujos cristais dorme a musa enferma de limites.
A verdadeira luta é com o duende.”
— Federico García Lorca. Obras Completas. (Editora Aguillar, tradução de Roberto Mallet).
Ontem, buscando fotos de Federicio García Lorca, deparei-me com esta bela foto que ilustra esse pequeno artigo em homenagem a ele. Nela, vemos Federico García Lorca e Rafael Rodríguez Rapún, seu amante à época, caminhando pelas ruas de Madri, da Madri republicana, em 1935. À época, Lorca trabalhava em seus “Sonetos del amor oscuro”, nos quais alguns estudiosos identificam Rafael Rodríguez Rapún como destinatário.
Soneto gongorino en que el poeta manda a su amor una paloma
Federico García Lorca
Este pichón del Turia que te mando,
de dulces ojos y de blanca pluma,
sobre laurel de Grecia vierte y suma
llama lenta de amor do estoy parando.
Su cándida virtud, su cuello blando,
en limo doble de caliente espuma,
con un temblor de escarcha, perla y bruma
la ausencia de tu boca está marcando.
Pasa la mano sobre tu blancura
y verás qué nevada melodía
esparce en copos sobre tu hermosura.
Así mi corazón de noche y día,
preso en la cárcel del amor oscura,
llora, sin verte, su melancolía.
Os dois parecem felizes na foto. Lorca seria assassinado no dia 19 de agosto de 1936 por franquistas. Rapún morreria no dia 18 de agosto 1937, lutando contra franquistas.
Enrolados na bandeira
Minha intenção era comentar no próprio domingo os chamados protestos da oposição a Dilma Rousseff. Mas fiquei ali, vendo as fotos que chegavam pelas redes sociais, o claro fracasso numérico da tentativa, as faixas que pareciam vir de outro país – não daquele em que centenas de pessoas continuam desaparecidas desde a última ditadura, e aquela eterna resposta de Clarice Lispector à pergunta de Júlio Lerner ressoando na cabeça: “Qual o papel do escritor brasileiro hoje?” – “O de falar o menos possível”.
Não tenho a menor simpatia por Dilma Rousseff, além da que vêm gerando em mim certos leõezinhos de chácara caminhando sob o sol. Precisamos de um processo legal sem jogos políticos, que investigue os crimes e leve TODOS os condenados à cadeia. Mas vivemos em um Estado de direito. Inocentes até que se prove o contrário. Por que são seletivas as prisões? E como levar a sério os que clamam contra a corrupção, mas festejam os nomes de políticos envolvidos em acusações e delações da operação Lava Jato que, no entanto, ainda estão soltos quando outros ligados ao governo estão presos?
Como levar a sério o pedido de impugnação, sem provas de crimes, de uma presidente eleita em uma avenida como a Paulista, vindo provavelmente de eleitores do governador Geraldo Alckmin, ele próprio envolvido em escândalos de corrupção nas licitações do metrô e de manipulação da crise hídrica em São Paulo, e acusado por várias organizações de direitos humanos de ação inconstitucional e criminosa no Pinheirinho? Eu teria muito interesse em conversar com pessoas que votaram em Dilma Rousseff e hoje pedem sua saída. Quanto aos que simplesmente usam a atual situação por não aceitar os resultados da última eleição, como conversar como adultos? Seus ouvidos estão ensurdecidos pelos próprios gritos.
Como conseguem ver este governo como sendo de esquerda? Comunistas com Joaquim Levy à frente da economia? Defendendo um pacote de medidas como as apresentadas por Renan Calheiros? Como podem crer que o Brasil caminha para tornar-se uma Cuba ou Venezuela quando o Congresso Nacional, nas mãos de um crápula como Eduardo Cunha, leva o país a passos de Speedy González a uma versão ainda mais decrépita de uma Itália democrata-cristã?
Cresci em um lar que nutria verdadeiro ódio ao PT. À frente de Lula da Silva, o único político capaz de extrair gritos mais furibundos de meu pai ao aparecer na televisão era Leonel Brizola. Jamais fui petista, ainda que tenha votado em Lula em 2002. Minhas críticas ao governo de Dilma Rousseff sempre foram públicas, mas passam longe do que odeiam estes senhores e senhoras (em grande parte brancos e abastados) que se enrolam na bandeira nacional e gritam nas ruas nos últimos meses. Enrolar-se na bandeira nacional porque tem jogo dos pernas de pau, até entendo. Mas, em protesto? Que tipo tacanho de patriotismo é este? Nunca leram Machado de Assis? Luiz Gama? Raul Pompeia? Euclides da Cunha? Lima Barreto? Autores que, ao contrário do tom celebratório dos modernistas de 1922, sempre nos ensinaram a ver com desconfiança e olhos críticos nossos crimes de nacionalidade.
E não havia lugar nestes protestos para uma defesa de seus concidadãos que sofreram outra chacina na periferia de São Paulo, com resultados de balística apontando novamente para a Polícia Militar? Este fim de semana, decidi passar meu tempo retornando a estes autores que mencionei, do período de transição entre Império e uma República forjada em um golpe militar sem apoio popular, sempre do alto para baixo. Não somos republicanos. Jamais o fomos. Eu, como escritor, sigo meu próprio princípio: oposição, sempre, não importa quem está no poder. Fez bem o trabalho? Pois não fez mais que a obrigação. É pago/paga para isso. São nossos funcionários. Assim podemos, escritores, falar de coisas mais interessantes, o pôr-do-sol no Arpoador e a florzinha crescendo ali na esquina da Cardeal Arcoverde com a Teodoro Sampaio. Chorar os pés na bunda. Fez mal o trabalho? Mentiu? Usou a linguagem, nossa ferramenta e bem comunitário para manipular? Estaremos aí para acusar.
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